A Vida Escolar
Vida é labuta.
Escola é o primeiro trabalho forçado a que somos submetidos, mas não pensem vocês, meus irmãos, que vida é escola. Se você repete de ano, você não perde um ano da sua vida; perde um ano na escola, o que é diferente. Mas as pessoas costumam não entender isso. Elas misturam as coisas. Mesmo escola e vida sendo totalmente diferentes entre si, elas insistem em dizer que se você repete na escola, você perde um ano na sua vida.
Pessoas são engraçadas.
Elas fazem provas – que nada provam de fato –, se estressam profundamente, e se prostram covardemente ante o sofrimento que lhes é imposto. A maioria não se questiona sobre a validade dos conteúdos que nos são empurrados, nem da maneira como somos avaliados, fingindo que aprendemos as coisas que eles nos ensinam; quando indagados sobre o porquê de aprendermos tais coisas se não queremos estudá-las a fundo, eles dizem que é porque cai no vestibular; se dizemos que não queremos fazer vestibular eles nos dizem que o que nos é ensinado servirá de base para a vida toda; mas se você se mostra cético quanto a isso, eles te dão exemplos esdrúxulos e pouco convincentes. Assim, todos fingem que o real problema é com nós mesmos; que tudo depende do nosso esforço. Sim, o sistema não é injusto, mas é que existem milhões de pessoas no mercado de trabalho, você precisa ser um dos melhores!
Mas a vida não é fingimento.
Ora, se aquele seu primo, que desde pequeno diziam ser tão inteligente quanto você, conseguiu, porque você também não consegue? Será que é porque ao invés de estudar você fica conversando com marginais na internet? Será que é porque você troca os livros da escola por revistas em quadrinhos? Será que você anda fumando maconha? Você não era assim, não mesmo. Você sempre foi altivo e alegre, alegre e estudioso! Você sempre foi inteligente, e ainda é, e não interessa a eles o que você acha. Preste atenção nisso: você é inteligente, e se não consegue estudar é porque você não passa de um vagabundo filho da puta; e se você não se acha tão inteligente o quanto lhe dizem, é porque você é um merdinha com complexo de inferioridade. Mas não sou eu quem diz isso, são as pessoas. As tais pessoas engraçadas, sabe? E elas também ignoram o fato de que você não é mais criança.
Pessoas são ignorantes.
As pessoas se espantam com a minha calma em dia de provas. Eu apenas faço o que sei fazer, e o que eu não sei, eu não faço. Se não aprendi durante as aulas, não vou aprender estudando em casa. E durante muitos anos me saí bem, na medida do possível. Até que eu repeti de ano. Mas não me arrependi. E no ano seguinte, quando eu vi que iria repetir de novo, comecei a estudar. A prova final seria no início de fevereiro. Eu estudei janeiro inteiro. No dia da prova, confundi os horários e cheguei atrasado. Perdi a única prova na qual tinha chances de passar, a única matéria para a qual tinha estudado. Repeti de ano, de novo.
Vida é sofrimento.
Hoje mais do que nunca, permaneço sereno em época de provas, como Buda em seu “leito” de morte. Já desisti por completo de lutar em uma guerra que não é minha. Até gosto da época de provas. Entro às duas da tarde, e saio às duas e meia. Mais tempo pra ler, dormir, comer. Quando já se sabe o resultado, a espera é tranqüila. Como o peixe-samurai, que quando vê que não há mais saída, pára de se debater, e se deixa rasgar pela faca afiada do pescador faminto. Imaginem vocês, meus irmãos, o peixe-samurai nadando livre e furtivo até o derradeiro momento em que é apanhado. Em resposta ao desrespeito à sua vida, seu ódio se traduz numa indiferença tal que ele se recusa a debater-se, por saber ser inútil, e de alguma forma, ele sente que isso só daria mais prazer ao seu algoz. Ele aceita a morte com honradez e disciplina, assim como eu. Sereno como Buda entre as árvores gêmeas. E juntos, oferecemos a outra face.
Pois o sábio não dá murro em ponta de faca.