A realidade que não conhecemos

Não somos obrigados a saber tudo. Na verdade, nem se quiséssemos saberíamos todas as coisas que são possíveis de saber. O mundo é imenso. O Universo é infinito. O tempo é eterno. De maneira que jamais teremos todo o conhecimento do mundo. Podemos ser bons em alguma coisa. Podemos ter certo domínio e sofisticada eloquência sobre determinados temas aos quais nos debruçamos. Mas mesmo em relação a eles precisamos ter humildade o bastante para reconhecer que sempre haverá algo novo a ser descoberto, assimilado, aprendido.

E se não sabemos tudo sobre o mundo material, físico, sobre o qual temos um aparente senso de controle para desbravar, mergulhar e conhecer, também não sabemos sobre as pessoas que orbitam, como nós, em torno da vida. São elas universos próprios. Mundos particulares. Cada um de nós representa nessa realidade na qual vivemos uma representação única e singular. No entanto, agimos como se tivéssemos doutorado nos seres humanos que desconhecemos. É como se soubéssemos quais são as suas razões, quais são os seus projetos ou quais deveriam ser os seus caminhos. Sabemos absolutamente nada sobre elas, mas comportamo-nos como se fôssemos seus maiores conhecedores apenas por uma convivência de poucas horas, ou por uma conversa casual, ou mesmo por termos tido, diante de tantos convidados, respondido “sim” ao casamento. Mas a verdade é que não. Não sabemos tudo sobre as pessoas. A maior parte do que sabemos são imaginações e suposições que criamos em nossas mentes sempre sedentas por dar sentido até ao que não possui sequer algum. A outra parte do que sabemos está relacionada à fração do que elas permitem que delas seja projetado ao mundo. E uma ínfima parcela do conhecimento que possuímos sobre aqueles que nos cercam foi obtido pela convivência. Uma parcela muito pequena em comparação à inteireza de cada ser humano.

E aprendi isso recentemente. Muito recentemente.

Às vezes vemos na televisão as pessoas contando suas histórias. Por vezes são histórias difíceis, dolorosas, que foram construídas a partir de tantos sofrimentos. E, assim, na nossa ingenuidade, pensamos que aquele conhecimento pode ser aplicado a tantas outras que tenham uma história semelhante, características parecidas. Até que, ao invés de ouvirmos histórias sendo contadas a distância, podemos ouvi-las sendo contadas bem diante de nós, pessoalmente, com poucos metros, quando não centímetros, mostrando que não somos um só.

Vemos os olhos daquela pessoa. Vemos seu rosto cansado. Vemos seus gestos pesados. Ouvimos sua voz tensa. Contemplamos suas lágrimas angustiadas, verdadeiras e reais. Não é mais uma personagem de uma reportagem ou uma figura de um documentário. É uma pessoa. De carne e osso e sentimentos. Bem à nossa frente. Desnudando sua alma. Revelando sua angústia. Derramando seu amargor. E nos anunciando o quanto somos ignorantes em relação às pessoas. E o quanto permanecemos em ignorância por, em muitos casos, supor o que elas sentem ou o que elas vivem baseados em imaginações tão frágeis e ilusórias que criamos.

Além de ouvir sua história de uma forma que os livros não conseguem reproduzir ou que a televisão não consegue contar, é como se finalmente se materializasse diante de nós a dor daquele ser humano. Quando viemos de uma realidade completamente diferente, na qual nunca precisamos – e até nunca precisaríamos – suportar os mesmos desafios, subir os mesmos morros e lutar contra os mesmos obstáculos, percebemos o quanto não sabemos de fato sobre as experiências e as existências de nossos semelhantes. É quando vem o choque de realidade. Desconfortável, é verdade. Incômodo, eu confesso. Mas extremamente necessário para que cresçamos em nossa sensibilidade, compreensão e empatia.

Meu convite é para que você reconheça sua ignorância e não suponha pelas pessoas o que elas querem da vida ou o que elas sentem em meio ao caos. Mesmo que essas pessoas sejam seus filhos, ou seus pais, ou aquela que você escolheu para amar. Não fale por elas. Não queira escolher por elas. Não defina a vida em seu lugar. Seja humilde. Você nunca saberia tudo sobre o mundo. Talvez nem mesmo saiba tudo sobre você. Como poderia saber sobre os outros? Permita que lhe falam o que sentem. Permita que lhe digam onde dói. Permita que lhe revelem onde arde. Conheça. Descubra. Aprenda. Seja sensível ao conhecer as pessoas. Quando elas lhe falar, ouça. Se nada tiver a dizer, se tudo foi novo demais ou desconfortável demais, fique em silêncio. Apenas ouça. Não podemos contar uma história que não vivemos. Mas podemos ouvi-las com a intensão de a entendermos. Há muitas histórias para serem entendidas. Há muitas histórias para serem ouvidas. Permita que elas se mostrem como são.

(Texto de @Amilton.Jnior)