Tinder
Em tempos de alta tecnologia e conexões em rede, o mundo dos relacionamentos sofre uma transformação.
Na época dos meus pais, as pessoas tinham poucas opções para escolher um par. Muita gente estava, aos poucos, migrando da vida no campo para as grandes cidades. A maioria vivia em vilas, de cidades, até então, pequenas. E ainda havia aqueles que residiam em cidadezinhas, aonde todos se conheciam.
Superada a fase dos casamentos arranjados, as pessoas procuravam a porta do cinema e o coreto da praça para paquerar. Havia ainda as quermesses na igreja.
Uma moça tinha como maior objetivo de sua vida (talvez o único) se casar e ter filhos. Por isso, existia certa ansiedade e pressa para arrumar um parceiro. Não vislumbrava ter muitos namorados. Queria apenas um que desse certo, isto é, que se casasse com ela.
Receava ainda que se não fosse mais virgem poderia encontrar dificuldade para encontrar um homem que a aceitasse.
Assim, dentre os poucos rapazes que conhecia em sua vila, ou sua cidade, escolhia um para “investir”.
Hoje, os tempos mudaram. Uma moça, ainda que more no interior, ou alguém que não conheça muita gente e tenha poucos amigos, ainda assim tem uma gama enorme de opções de rapazes para se relacionar.
Isso ocorre, além de outros motivos, em razão dos aplicativos de relacionamento, dentre eles, o famoso Tinder.
Não carece de maiores explicações sobre seu funcionamento. Ou melhor, não preciso dizer como ele funciona, basicamente. Mas preciso descrever o que, de fato acontece no aplicativo.
Antes de mais nada, o Tinder não é de propriedade de uma instituição filantrópica, ou seja, seu objetivo principal é o lucro (não esqueça disso).
Imaginemos que houvesse uma facilidade enorme de unir casais por esse método. O que aconteceria? A empresa responsável por seu funcionamento já teria falido. Bastava entrar no Tinder que logo o cliente estaria saindo, depois de encontrar um novo amor.
De contrapartida, se fosse impossível conseguir um “match”, ninguém permaneceria por muito tempo, nem o recomendaria aos amigos.
Desse modo, está claro que o Tinder tem a intenção de promover encontros. Mas torce para que esses encontros não se transformem em namoro.
E como ele consegue isso?
O aplicativo é baseado em algoritmos que conhecem o seu perfil emocional melhor do que a sua terapeuta. Eles sabem o que você vê e curte nas redes sociais. Sabem o dia e hora que você mais interage com os perfis escolhidos. Sabe das compras que você faz e do padrão de vida que você tem, e assim por diante.
Homens e mulheres reclamam dos aplicativos de relacionamento, de maneira geral. Mas suas queixas são diferentes.
As mulheres conseguem muitos encontros. Mas têm dificuldade em conseguir um rapaz para namorar. Os homens não conseguem sequer muitos matches.
Agora vamos ao ponto:
A título de exemplo, certa vez, um rapaz fez dois perfis fakes, sendo um de um homem e outro de uma mulher. No perfil do homem, cujas fotos eram de um rapaz muito bonito, teve quatro curtidas em vinte e quatro horas, enquanto que no perfil de mulher, ele recebeu mais de cem curtidas, em sessenta minutos.
Já tive a oportunidade de ver o Tinder de algumas amigas, que por sinal, não eram muito atraentes. Me espantei ao ver a quantidade de matches. Uma delas tinha mais de mil e quatrocentos. Já ouvi comentários de uma Youtuber que teve três mil likes em uma semana.
Com relação aos homens, a realidade é outra. O mecanismo do Tinder obriga o homem a ser proativo, ou melhor, super proativo. No site https://www.statista.com/ vemos uma trajetória considerada “de sucesso” de um rapaz que teve sete encontros no aplicativo. Para tanto, teve de pagar por seis meses pelos serviços, e teve de deslizar para o lado o perfil de mais de onze mil mulheres. Isso mesmo – mais de onze mil. Considerando que esta é uma história de sucesso, o que dirá da maioria?!
Em relação às mulheres, os números são bem mais generosos. Elas não têm dificuldade em descolar um encontro. Se desejar, cinco minutos após baixar o aplicativo já terá com quem sair.
Estima-se que apenas 24% dos usuários são do sexo feminino. Sem contar que ainda é preciso filtrar quem verdadeiramente está a fim de um encontro, pois para quem não conhece, muitas das mulheres que estão no aplicativo têm outras intenções.
Não acredita? Então vamos lá: Muitas daquelas moças bonitas e atraentes são Instagramers, estão ali apenas para conseguir seguidores para o Instagram. Outras ainda são prostitutas, travestis, sugar baby, vendedoras de nudes, youtubers e prestadoras de serviços que vão desde massagem até serviços de contabilidade.
Para ilustrar, imagine que o Tinder é uma balada.
Nessa balada têm 760 homens e apenas 240 mulheres. Destas, somente um terço delas deseja um cara pra paquerar. Fazendo um cálculo rápido, temos 80 mulheres disponíveis para 760 homens. Desses homens, alguns não querem se relacionar. Mas outros querem muito, e estão indo pra cima. Imaginemos ainda que você é um desses caras que não quer ir embora sem dar uns beijos. Você avista uma mulher. Ela está com dez homens à sua volta, disputando sua atenção. Digamos que ela seja muito simpática e atenciosa (o que nem sempre ocorre no aplicativo), e está interagindo igualmente com todos os rapazes. Você se aproxima e recebe um pouco de sua atenção. Mesmo que eu considere que você é um cara bom de paquera, levando em conta que ela está dividindo a atenção dada a você com outros nove caras, você consegue me convencer que ela vai conseguir, nesse tipo de interação, enxergar suas qualidades?! Pode ser que sim. Só que tem outro detalhe: lembra que te falei que um terço dessas mulheres não estão a fim de uma paquera?! Então como saber se ela está? Investindo, claro. Porém, lembremos que o tempo é escasso, e a balada está terminando. Resultado – a maioria das mulheres em que você investiu não estavam lá pra paquerar. Você identificou algumas que estavam. Mas teve que dividir sua atenção com outros caras. As que você mais queria, só tinham olhos para os “chads” da balada, e a única que quis ficar com você era uma mulher de um nível bem inferior ao seu.
Até agora, vemos que há um desnivelamento em relação ao número de likes.
Muitas mulheres reclamam, hoje em dia, que está difícil arrumar um namorado. Não se sentem notadas quando andam nas ruas, os bonitões da faculdade não lhe dão bola e não consegue um crush nem na igreja. Ao entrar no Tinder, recebendo uma enxurrada de likes (uma vez que tamanho o número de homens, mesmo não sendo bonita será muito paparicada), a mulher se sente super empoderada. Arrisco dizer que há um empoderamento nocivo e muito prejudicial à própria mulher. Mas isso, explicarei mais à frente.
Com relação ao homem, existe o efeito contrário.
Um homem considerado razoavelmente um bom partido, alguém que embora não seja um Brad Pitt, ainda possui algumas qualidades, terá uma percepção distorcida da realidade.
A princípio, o homem baixa o aplicativo no plano grátis, e espera pra ver o que acontece. Logicamente não acontece nada. Daí então, resolve pagar. Mas ainda desconfiado, paga pelo plano básico. Tendo pouco resultado, resolve investir mais dinheiro, contratando o plano Platinum.
De uma hora pra outra parece que tudo mudou. Aquele homem que conseguiu meia dúzia de likes em um mês, na versão Platinum consegue mais de cem matches em um único dia. E ainda, esses matches são com mulheres belíssimas. Logo, acredita que seus problemas acabaram.
Não demora a entender que foi pura ilusão!
A maioria das bonitonas eram só meninas querendo conseguir mais seguidores para o seu Instagram. Além, é claro, de prostitutas, sugar babies e tantas outras que não estão interessadas em encontros.
Mas, falemos agora daquelas que estão interessadas. Você irá enviar uma mensagem para elas. Mas, cuidado. Você pode ser eliminado logo de cara. Lembra do exemplo da balada?! As mulheres têm uma gama muito vasta de opções pra conversar. Não espere que elas irão tomar a iniciativa. Para que respondam a uma mensagem sua, você precisará contar com muita sorte. Deverá enviar no dia e hora adequados. E que dia e hora é essa? Não sei. Só sei que se for no momento em que ela estiver recebendo uma avalanche de outras mensagens, pode ser que ela nem veja.
Pode ainda acontecer de ela estar muito ocupada com rapazes que já enviaram mensagens antes. Pode ser que com eles a conversa já esteja mais avançada. E se apareceu pra conversar online um mega empresário, jovem, bonito e saradão, suas chances serão quase zero.
Mas digamos que você está com sorte, e enviou uma mensagem na hora certa. É o que basta? Não!
Se a sua mensagem for sem vida, genérica ou bem parecida com outras duzentas que recebeu só hoje, esqueça.
Nem pense em dizer:
Oi.
Tudo bem?!
Esse é um pecado mortal, no Tinder. Para quem é homem, é claro. Porque as mulheres, quando resolvem interagir, o máximo que farão vai ser só isso – um oi, tudo bem.
É muito comum as mulheres fazerem com os homens aquilo que não desejam que façam com elas.
Então capriche na mensagem. Seja criativo, irreverente; surpreenda. Não esqueça de uma certa dose de bom humor, sem exagero. E como fazer tudo isso, se alguns perfis são completamente vazios, evasivos, não há qualquer descrição na “bio”, e as fotos não falam nada sobre a mulher?!
Não sei. Se vira!
Lembre-se de que as mulheres estão muito empoderadas. Então você terá de fazer um esforço surreal para chamar sua atenção em meio a multidão. E não adianta ser bajulador.
Outro erro fatal: Perguntas sequenciais.
Como assim? Pra eu conhece-la, não posso perguntar sobre sua vida?
Se você fizer uma pergunta atrás da outra, ela vai dizer que está se assemelhando a um questionário; que está parecendo mais uma entrevista de emprego. Agora, isso ocorre porque na maioria das interações, as mulheres apenas respondem ao que os homens perguntam; na maioria das vezes, de forma bem objetiva. Elas falam com vários homens ao mesmo tempo (lembra do exemplo da balada?!), e por isso não rola um bate papo, mas somente um joguinho de perguntas e respostas. Pode ser também que a mulher não seja muito comunicativa, criativa, etc. Mas não importa, a culpa vai ser sempre dos homens. Sempre serão acusados de falta de diálogo (mesmo quando em 99,9% das interações são eles quem toma a iniciativa), falta de criatividade (mesmo quando a escassa iniciativa feminina interagir fazendo aquilo que detestam que façam com elas: dizer – oi, tudo bem) e falta de capacidade de realizar um diálogo envolvente, carinhoso, bem humorado e inteligente (mesmo que as mulheres não apresentem envolvimento, carinho ou inteligência). Em suma, lembre-se: elas podem tudo, você não pode nada.
Ao ler os comentários, nas redes sociais, identifiquei que muitos homens adquirem um complexo de inferioridade, depois de uma experiência no Tinder.
Muitos alegam que o aplicativo é só para homens bonitos. Outros, dizem que se você não for rico, não terá uma chance. No entanto, até mesmo homens ricos e bonitos encontram as mesmas dificuldades impostas pelo “jogo”.
Na verdade, mesmo que um homem seja razoavelmente bonito, tenha uma carreira profissional e possua ainda muitas outras qualidades, sempre achará que não é bom o suficiente para conseguir um encontro. Sempre vai pensar que não está conseguindo uma namorada porque não tem uma barriga tanquinho, não tem o peito saliente, não tem fotos de viagens de luxo, nem jantares caros. Mas, no fundo, não é nada disso. Trata-se apenas de um jogo, tal como uma máquina de caça-níquel.
Um caça níquel é um jogo eletrônico de apostas em que está programado para fazer você perder. Logicamente, não vai fazer você perder em todas as jogadas. Mas vai alimentar uma sensação de que na próxima você irá conseguir. Daí então você aposta mais e mais.
Mesmo depois de fazer uma assinatura Platinum, ou seja, a mais cara, ainda há como fazer você investir mais dinheiro, comprando um recurso chamado boost. Você dá um boost e seu perfil fica em destaque. Só que, curiosamente, você acaba recebendo like dos perfis aparentemente mais indesejados.
Outra dificuldade ainda refere-se às haters. Sim elas existem.
Não é raro encontrar na bio, no lugar de uma auto descrição, um discurso de ódio. Algumas vomitam uma extrema arrogância e uma tremenda falta de sensibilidade ao fazer exigências absurdas, em tom hostil, sobre preferências políticas, características físicas que deixam os homens constrangidos e referências ao seu nível social.
Lembra quando te falei que essa espécie de empoderamento feminino é algo nocivo à própria mulher?! Pois então.
O tinder trabalha com um cruzamento de informações. Embora não revele, o aplicativo conhece, por meio de uma inteligência artificial, o quanto seu perfil é desejado. Digamos que existe um homem nota 10. Não que alguém do tipo bonito, de corpo atlético, jovem e rico precise entrar no Tinder para descolar uma gata. Mas digamos que um cara desses deu uma passadinha por lá. Seu perfil vai ser usado como chamariz para atrair as mulheres. Um perfil nota 10 vai ficar pouco tempo no aplicativo, pois independentemente de suas interações por lá, esse cara é muito visado em qualquer lugar por onde passar.
Mas, digamos que um homem nota 7, nota 8 esteja no Tinder. Se o aplicativo promover um encontro entre ele e uma mulher nota 8, é bem provável que haja uma sintonia muito interessante, e acabe acontecendo um namoro. Assim como um homem nota 6 e uma mulher nota 6.
O grande problema é que o Tinder perderia todos os clientes se fosse assim. Da mesma forma, se não promovesse encontros, não conseguiria manter nem angariar novos clientes.
Enfim, a estratégia é fazer com que um homem nota 8 saia com uma mulher nota 6. E como isso ocorre?
Um homem nota 8, ou seja, um belo perfil, em pouco tempo no Tinder terá a impressão que não é muito bonito, não é muito atraente; de que não está conseguindo ter um papo envolvente. Enfim, tudo isso é uma estratégia para diminuir seu nível de exigência. Assim, aquele que só dava likes nas mulheres bonitas, passará a dar likes em mulheres de perfil mediano. Ocorre que os homens costumam ser pessoalmente tal como nas fotos. Quanto às mulheres, há uma enorme diferença. Por experiência própria posso dizer que quase nenhuma mulher que saiu comigo era parecida com suas fotografias. Se uma mulher, no aplicativo, é nota 7, 8; na vida real ela será nota 6,5.
A grande questão, para concluir o raciocínio é que um homem nota 8, ao sair com uma mulher nota 6, nota 5, não vai querer namorar.
Eis a grande jogada do Tinder.
Um homem nota 7, 8 vai querer (para namorar) uma mulher que esteja a altura. Uma mulher em que ele possa levar nos lugares que ele costuma frequentar e não sinta nenhum constrangimento. Uma mulher que esteja no mesmo padrão de beleza que ele, que sua família.
Por esse motivo disse acima que o empoderamento feminino no Tinder se torna muito nocivo, a medida que a mulher, dentro do aplicativo vive um verdadeiro deslumbramento. Acredita que terá acesso a homens de um nível social diferente. Poderá se encontrar com rapazes do tipo que sequer notam sua presença na academia. De fato ela terá acesso aos bonitões, saradões, magnatas, executivos, empresários, loiros de olhos azuis, etc. Terá uma infinidade de opções nesse cardápio humano. E o que lhes causa maior deslumbramento é a facilidade de se conectar com eles. Mesmo sendo homens ricos e bonitos, ainda possuem dificuldade em chamar uma mulher pra sair, dada a absurda competitividade no Tinder. Daí então aceitam sair com mulheres mais simples. Mas é tudo mera ilusão.
Um homem de um nível sociocultural mais elevado pode querer sair com uma mulher mais simples. Mas não deseja um vínculo duradouro com ela. Apenas relacionamento casual.
Um homem de músculos bem torneados pode até sair com uma mulher de medidas assimétricas. Mas não vai querer um namoro.
E é isso que faz o feitiço virar contra a feiticeira.
A mulher, que se sentia muito poderosa no aplicativo, acaba sofrendo um choque de realidade, quando vai pra vida real. Por isso tem a errônea impressão de que os homens só querem sexo. Assim como os homens têm a impressão de que as mulheres só querem validação do ego.
Não é bem isso.
Ambos desejam namorar, casar, ter filhos. Enfim, o que ocorre é que o sucesso do Tinder se dá pelo desnivelamento que ele promove.
Bem, essa é a humilde opinião de um homem, usuário do Tinder por um considerável tempo.
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