As curvas da vida
Quando viajamos por estradas e rodovias, tendo aquela noção de que o caminho até nosso destino durará algumas boas horas, tendemos a desejar pelos trajetos retilíneos, sem curvas, sem “distrações”, sem paralisações. Trajetos que nos permitam encurtar o tempo, ter a sensação de que a distância foi menor, para que logo alcancemos nosso objetivo, para que logo desçamos do carro ou do ônibus, possamos esticar as pernas e abrir os braços para os abraços dos reencontros.
Às vezes estamos com tanta saudade daquelas pessoas que vivem há milhares de quilômetros de nós, estamos com tanta vontade por ver nossos sobrinhos que nasceram há dois anos, mas que até aquela oportunidade ainda não pudemos conhecer se não por fotos, que mal podemos aguardar para que compartilhemos do mesmo espaço e do mesmo ar. Em outras vezes a viagem foi planejada há tanto tempo, ficamos “namorando” tantas fotos pela internet, que mal podemos esperar para que nossos pés sintam aquela terra e nossas narinas inspirem o ar da novidade!
Coisas que nos fazem desejar para que as distâncias sejam vencidas no menor tempo possível. Coisas que nos fazem almejar por uma estrada reta, plana, sem curvas nem morros, que façam o tempo passar, se não como em um piscar de olhos, na maior velocidade que lhe for possível.
E às vezes dá certo. Às vezes conseguimos nos guiar por estradas e rodovias que atendem aos nossos critérios, pelo menos em sua maior parte. Ficamos felizes. As distâncias serão logo superadas! Mas acabamos perdendo as descobertas de um caminho curvo, com obstáculos que nos obriguem a desacelerar, com sinalizações que nos façam redobrar a atenção ao horizonte à nossa frente. E quando desaceleramos pode ser que nossos filhos, no banco traseiro, se encantem ao verem cavalos correndo um atrás do outro. Pode ser que nossos olhos se maravilhem quando, em virtude do ritmo mais lento, são capazes de contemplar com calma a paisagem florida, cercada pela neblina da manhã que, aos pouquinhos, afasta a escuridão da noite. Quando desaceleramos, antes mesmo de alcançar o nosso desígnio já acabamos maravilhados. O resultado é que não teremos apenas as boas e agradáveis experiências das vivências no destino para compartilhar. Teremos como inspiradoras histórias as observações do trajeto, do caminho, do percurso. Acabamos ainda mais enriquecidos porque soubemos apreciar as estradas da vida.
“A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida” (Lygia Fagundes Telles)
Na vida ocorre o mesmo. Queremos logo as conquistas. Queremos logo as realizações. Quero logo os resultados. Queremos logo as conclusões! Queremos para ontem. Queremos que a vida aconteça no menor tempo que lhe for (im)possível. É como se tivéssemos pressa. É como se precisássemos chegar logo a algum lugar. É como se tivesse uma multidão nos aguardando. E não nos damos conta que pela estrada da vida o destino é um só: a travessia final. Quando nossos olhos se fecharão para que nunca mais tornem a se abrir.
É para isso que temos tanta pressa? Para chegarmos logo ao ponto final? Para logo nos despedirmos da nossa estadia por aqui? É isso o que fazemos quando desperdiçamos as curvas da vida: desperdiçamos a própria vida.
As curvas são as nossas dificuldades, as nossas dores, as nossas angústias. As curvas são também aquelas pequenas conquistas, aquelas pequenas vitórias, aqueles pequenos saltos que antecederam os saltos maiores. As curvas são aqueles momentos nos quais nos sentimos cuidados, protegidos e amados. São também aqueles instantes nos quais percebemos a nossa força, a nossa capacidade, a nossa potencialidade. As curvas são aquelas oportunidades que temos de rever nossa vida, rever os caminhos pelos quais temos trilhado e optar, se assim nos agradar, por estradas mais confortáveis, mais realistas em relação aos nossos desejos. As curvas podem também ser aquelas afirmações de que estamos fazendo o certo, caminhando da maneira certa, vivendo do jeito certo: o nosso jeito! As curvas são os respiros necessários para que a caminhada continue.
Quem não almeja por essas curvas, quem quer pura e simplesmente uma estrada retilínea sem novidades, sem possibilidades, sem nuanças que permita visualizar a diversidade da vida, passa no automático, pisa no acelerador e nada vê, nada aprende, nada ajunta. Pode pensar que é melhor que os outros. Pode achar que está na frente de todo mundo. E talvez esteja. Talvez esteja bem adiantado. Mas ao olhar na bagagem perceberá o quão vazio esteve ao longo da aventura. E nas horas da dificuldade, quando o combustível falhar, pouco poderá fazer a fim de se suster.
As curvas fazem parte da vida. As pausas fazem parte da existência. O desacelerar pode ser uma necessidade para que vivamos com mais sabedoria. Não encurta a sua vida. Não deixe de aprender e reaprender. Sobre si e sobre os outros. E sobre o mundo. A estrada da vida é a nossa maior professora. Aprenda com ela. Enquanto ela ensinar você!
(Texto de @Amilton.Jnior)