Entretenimento
Eles iniciam o dia com uma xícara de café com açúcar, uma bolachinha, e notícias de estupro e homicídio.
Almoçam assistindo a acidentes de trânsito, para todos os gostos: acidente na avenida da capital; na rua que ninguém conhece de uma pequena cidade; na rodovia, na chuva, no meio da noite. Melhor ainda quando tem imagens de asfalto, sangue, policiais e ambulância.
A colisão de um carro de uma família: um casal e duas crianças contra um carro com cinco amigos adultos indo para a praia.
No meio da tarde, assistem à notícia de um assassinato misterioso, em que os restos mortais de alguém foi encontrado na mata. Também assistem a tragédias ocorridas em outros países. Notícia internacional quentinha.
Guerras. Guerras civis, guerras entre países, guerras entre milícias, facções, protestos, manifestações.
Assistem a acusações de estupro, a escândalos de corrupção. Mas na hora de votar, votam nos corruptos, porque é mais fácil se deixar enganar por eles. Basta dizer que é homem de Deus e defensor da família; apenas com isso já é possível ludibriar dois terços da população.
À noite, veem na TV que aumentaram as pessoas em situações de rua, e que estão morrendo de frio.
Mas não vamos fazer nada para ajudar elas. Quanto mais sofrimento, melhor para nós, que vemos tudo do sofá da nossa casa.
Se não tiver tragédia para assistir, não temos o que fazer o dia todo. Não temos o que comentar no trabalho. Não temos assunto para puxar com o vizinho. Não temos corrupção a discutir no almoço de domingo.
É nosso alimento diário. Sem as tragédias, parece que nosso dia não está completo; parece que fica faltando alguma coisa, que nos preenche. O espírito anseia pelo sofrimento alheio. É uma droga poderosa. Viciante.
Diga a alguém viciado que precisa ficar um dia sem procurar por essas tragédias e veja sua reação.
Mas aí chegou o dia em que não havia mais acidentes, tragédias, guerras, doenças, miséria.
Ficamos sem entretenimento para assistir. Ficamos entediados. Como assim nenhuma desgraça noticiada?
Acho que há algo errado no mundo.
Quero minhas notícias de assalto pela manhã, de estupro no almoço, e de guerras antes de dormir.
Tenho fome de tragédia. Me sinto vazia...
Obs.: Escrevi esse texto pensando naqueles que se comprazem em consumir tantas tragédias, o dia inteiro, e não percebem, e não fazem nada para mudar a situação (mesmo que possam). Não fazem caridade, não procuram ajudar de alguma forma, e na ilusão de estarem formando pensamento crítico, as pessoas ficam alienadas. Muitas são VICIADAS em tragédias, em ver a desgraça alheia, que vira apenas entretenimento, e nada mais. É uma alienação enorme. No fundo, elas têm prazer em testemunhar o sofrimento alheio.