Retrospectiva

A opacidade vai desaparecendo conforme os dias se passam por trás da janela, distante da tela, das notificações que se somam e lembram que estou desatualizada. Não sei se o tempo passa depressa demais ou se meus passos são demasiado lentos, isso para não admitir assim tão escancaradamente estagnada.

Nem bem nem mal, a percepção é volúvel. Estou bem hoje porque saí da cama e guardei a roupa nas gavetas e estou mal porque quero produzir. O perfeccionismo, caminhando na contramão, sussurra que sou uma farsa e nunca serei levada a sério. As tarefas são sempre adiadas para amanhã, depois de amanhã, até ser mais um peso na alma.

Exijo cada vez menos espaço. O cansaço responde por mim, logo, se vale a minha paz, abro mão de ter a razão, respiro fundo e deixo estar, todavia, também abdico de fazer valer a minha existência, tudo para evitar conflitos desnecessários, réplicas virulentas e arrependimentos.

Resguardo-me em silêncio porque minha voz sempre incomodou os outros e independentemente do quanto falei antes, poucos me ouviram e esses poucos já me esqueceram.

Preciso reaprender a socializar porque me isolei para lamber as feridas, me desintoxicar das cobranças, evitar determinados gatilhos, porque depois de tanta intolerância, perdi a confiança e também sei que não fiz falta, até porque nunca fui àquela amiga importante a ponto de alguém me procurar porque realmente faz questão da minha presença.

Fui aprendendo a não chorar mais por não ser notada, a dizer que estou bem porque abrir o coração demanda muita energia e não estou em condições de desperdiça-la se são poucos ou quase raros aqueles que ouvem com o coração, além de ter consciência de que mesmo me expondo, ninguém poderá me ajudar, ninguém se importa.

Fui relegando as ideias que fervilhavam na mente por confiar que poderia me refazer e encontrar outro lugar onde pudesse me sentir em casa, só que o mundo não é um lugar bacana para pessoas como eu e se não persigo mais a fama e escrevo pura e simplesmente por amor, não há mais nada a perder. Ou há.

Que o diga a postura retraída que não sabe mentir. Nem mesmo aquele olhar perdido de quem não apenas busca inspiração, busca fazer as pazes com a essência adormecida. Porque o que se pode perder não abre feridas, expande possibilidades. Poucos passos separam sonho de realidade.

18/12/22

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 18/12/2022
Reeditado em 18/12/2022
Código do texto: T7675002
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