Tem sempre um gatilho

Tem sempre um gatilho. O desprezo profundo. As injúrias. A sensação de estar falando sozinha. A solidão que não passa. Um sentimento reprimido, quiçá não correspondido, que transborda em forma de indignação, incita a nostalgia, liberta e conforta a tristeza e também se permite sonhar alto.

No princípio havia uma garota tímida, sensível, sonhadora e invisível, acompanhada dos fones de ouvido, ocupada com uma folha de papel, buscando incansavelmente “ser uma delas”, batendo com insistência em uma porta a qual nunca se abriria.

Ela pensava que era parte do problema e sofria, logo quando todos a julgavam por não estar feliz. Eles apenas não sabiam o que era estar dentro dela. A estrela nunca deixou de brilhar, mas naquela bolha os padrões eram outros e ela destoava deles, de maneira que mergulhar no novo era reconfortante, mesmo quando o futuro é coberto de nebulosidade e ninguém sabe se ele será bom ou ruim.

Se todo mundo tinha uma válvula de escape, ela seria hábil para viver em dois mundos distintos sem grandes alardes. Sempre que era ferida ou o sofrimento apertava mais o peito, as palavras despontavam e preenchiam dezenas de páginas, contavam histórias que mais adiante teriam leitores e apoiadores, assim como perseguidores. Nesse cantinho era possível erguer a cabeça e afirmar que os odiadores agiam movidos pela inveja. Pelo menos lá ela era alguém. Alguém importante.

Aquela que sofria pelos tantos amores jamais consumados podia sonhar que pessoas como ela poderiam viver lindas histórias, quem sabe até receber cartas dos chamados fãs e dessa forma conectar-se a pessoas que também viviam naquele mundinho. A responsabilidade era imensa, bastava um erro para os odiadores vibrarem na arquibancada e invadirem os gramados, eles contavam com isso e eis que o fatídico dia chegou.

Longe de ser uma ocasião pontual, foi um acumulado de más escolhas, cansaço, acomodação, imaturidade e metas demasiado grandiosas a agir concomitantemente e as fronteiras entre os dois mundos cederem. No meio do caminho a essência se desvirtuou e a pausa antes tão adiada clamou a plenos pulmões que por ora desistir era a alternativa mais digna, não mais os manifestos hiperbólicos e de mau gosto a reivindicar a atenção geral da forma mais infantil.

Recolhimento sem autocrítica seria restabelecer o ciclo vicioso, reconstruir os pilares com as mesmas bases frágeis de outrora, uma perda de tempo. A ideia era repensar a vida e o que se queria dela porque os desafios sempre existirão e hoje, mais do que nunca, a chave que pode destrancar o peito e transformar a indiferença, a paralisia e o medo em arte é uma só... tem sempre um gatilho!

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 18/12/2022
Código do texto: T7674967
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