O falador
Muitos chamam de falador aquele que fala, fala sem saber o que está a falar. Outros, aquele que fala, fala sobre si e suas pseudoconquistas, pois não as consigo ver. Outros dizem que o falador é simplesmente aquele que fala muito. Outros mais, supostamente, realistas, dizem que o falador é aquela velha figura que conta estórias, história de trancoso. Já eu, eu mesmo, penso que o falador é o que pensa e pensa, mais pensa do que fala. Mas só veem que fala, pois não veem proveito em uma palavra e nem dinheiro no bolso. Penso que o falador sofre o mal do desapego e do excesso de pensar e falar, as duas coisas juntas, mesmo que falar nunca seja tão rápido e eficaz quanto pensar e escrever. Mesmo o escrever já não é tão eficaz. E é assim que o falador começa suas reflexões, a partir de coisas aparentemente irrelevantes. O falador possui o pecado do saber, o verdadeiro falador nunca fala algo que não seja proveitoso e nunca fala algo que não creia, mesmo que seja apenas naquele momento. O falador é tido como um vagabundo, como todos aqueles que ousam pensar de mais. Falar é ouvir e ouvir é pensar. O falador ouve tudo e todos os discursos pairam em sua cabeça, como uma avalanche de visões de mundo. Assim vê-se perdido em palavroeiros e muitas das vezes o palavroeiro escapa do pensar. Falar por falar é não dar resultado e resultado em um mundo neoliberal é dinheiro. O pragmatismo na visão do falador é o pecado do covarde e do arrogante; é o pecado que mais mata. O falador genuíno tem aversão a esse tipo de gente e deles se afasta. Enxergam a quilômetros de distância e sentem seu cheiro em meia palavra. "É o bisbilhoteiro", diz ele com sarcasmo, pois é também de sua índole o bom humor e uma boa didática. Mas longe do falador licenciar, pois não considera nada tão sério ao ponto de ser creditado, "é um cínico!", "um vagabundo!", "um sofista!". São muitas as denominações e classificações dessa suposta mercadoria, dizem até, alguns, que não há nada dentro da embalagem, outros ousam até proferir que a embalagem é bela e chamativa, sequer trabalhamos com marketing. É ridículo, ridículo, como o sonho de um empresário e o valor de um escravo. Dizem, "é ridículo, tenha honra, dignidade", ao menos dignidade tenho, pois julgo-me humano, não é mesmo? Ainda humano, não é? Agora, honra, hum... Bem, julgo que a questão sobre ter ou não honra é mais uma questão de fé do que de merecimento ou outra coisa qualquer. Digo, a honra só existe em ti por uma aprovação de terceiros, sua natureza é social e está de acordo com as regras do jogo, portanto, honra é uma questão de crer ou não nas regras do jogo. Assim sendo, crer que se possui honra, é crer e pôr em ação o status quo, pois, afinal, nunca vi um honrado preguiçoso, são todos digníssimos trabalhadores. Mesmo tu és um deles. Então estás a me dizer que não ser honrado é sinônimo de ser mais inteligente? Não, não estou a dizer-te nada, não ponhas palavras na minha boca, oh tenha honra. Sim, perdoe-me, compreendi mal, não foi minha intenção ofender-te. Tudo bem, mas por que iria ofender-me? Não afronta e fere seus valores, sua conduta? Não, não, não seja bobo. Então como diz que és vagabundo e não justificas? Justificar, eu? O que? Não tenho o que justificar ou a quem justificar, oras, chame-me do que bem entender, não irei aprisionar o teu pensar. Então não estaria a ti melindrar? Do que isso importa? Hum... Isso chama-se dignidade do ser humana. E a honra? Como assim? Replicas tu. Não seria desonroso da tua parte tratar-me como igual? Estarias violando seu próprio sistema de crença. Não, não, por mais que não sejas digno e não tenha mérito, ainda é humano. Mas humano vagabundo! Retruco, pois, eu. Então que sejas! Mas humano. Dizes sem muita convicção. Quem deste a ti a definição de honra? Hum... Nunca me falaram o que era e nunca pensei sobre isso, foi você o primeiro a mim apresentar a uma definição. Devo dizer que isso foi honroso da tua parte, complementas tu. Mas sou um vagabundo, digo eu, como poderia ser honroso? Ou agir de forma honrosa, ter um ato nobre? Hum, ham... Hum... Até que, enfim, silêncio... Grito, portanto, eis um falador!!! Está aí caro leitor um dos possíveis diálogos que teríamos, onde poderia ter sido um de fato ao escrever como se fosse, tudo dependeria de como apresento o diálogo. Enfim, cansei.