Faço-me poema
Que ao tato insculpido
N'outra face - revelada
Desnudada de instintos
Então - a emoção bruta
Sem peias, nem disfarce
"Possa eu, da phrase nos absonos sons,
em versos minuciosos ou succintos,
expressar-me, dizer dos meus instinctos,
sejam elles, embora, máos ou bons.
Quero me vêr no verso, intimamente,
em sensações de gôso ou de pezar,
pois, occultar aqui’lo que se sente,
é o proprio sentimento condemnar.
Que do meu sonho o bronco véo se esgarce
e mostre núa, totalmente núa,
na plena graça da simpleza sua,
minha Emoção, sem peias, sem disfarce.
Quero a arte livre em sua contextura,
que na arte, embora peccadora, a Idéa,
deve julgada ser como Phrinéa:
- na pureza triumphal da formosura.
Gelar minha alma de paixões accêsa
porque? si desta forma ao Mundo vim;
si adoro filialmente a Natureza
e a Natureza é que me fez assim.
Meu ser interno, tumultuoso, vario,
- máo grado o parvo olhar profanador –
no livro exponho como num mostruario:
sempre a verdade é digna de louvor.
Fiquem no verso, pois, eternamente,
as minhas sensações gravadas, vivas,
nas longas crises, nas alternativas
desta minha alma doente.
Relatando o pezar, relatando o prazer,
través a agitação, través a calma,
a estrophe deve tão somente ser
o diagnostico da alma."
Gilka Machado, no livro "Estados da alma: poesias". Revista dos Tribunaes, 1917. (ortografia original)