A vida é hostil a qualquer tentativa de encontrar nela um sentido
Um sentido inerente as coisas e ao mundo, que independa de nossa subjetividade, circunstâncias e história! Sem dúvida é uma crença básica, no qual se fundamenta as diversas religiões e sistemas filosóficos, assim como os preconceitos normativos de cada época. A vida porém é hostil a qualquer tentativa de impor, encontrar ou tornar eternas quaisquer verdades desse tipo - não há um compromisso entre a Natureza, biológica e geológica, e a nossa necessidade de sentido.
Esse sentido, definido como qualquer coisa que possa direcionar a ação voluntária humana, é uma construção cultural. De alguma forma construir sentidos possibilitou que a vida humana fosse além do aparato biológico e instintivo que herdamos de nossos antepassados.
É fácil observar, se considerarmos a efemeridade e artificialidade do que chamamos de sentido, como as tentativas de negação dessa base pessoal, relativa e transitória de qualquer sentido que possamos formular explica as lutas políticas, culturais e batalhas intelectuais e morais que tanto presenciamos nos dias de hoje.
Ter que assumir que a verdade para si, para a sua geração e seu tempo não passa disso: de uma verdade para si, para sua geração e seu tempo é algo que exige não só maturidade intelectual, mas também capacidade de lidar psicologicamente com isso. Essas certezas criam possibilidades, lugares, poderes e prazeres que nunca seria experimentados sem que houvesse a mediação entre humanos e entre esses e a natureza. A cada geração, adversários ideológicos e fragmentações culturais e identitárias que presenciamos, mais concreta e evidente se torna essa crise.
Em outras palavras, se a natureza também não é fonte desse sentido atemporal e universal que buscamos como um norte diante de tantos outros sentidos, a própria sociedade, o outro, também não é uma fonte muito melhor dessas certezas, ainda que só nela seja possível a construção de algum sentido, mas não desse absoluto e atemporal.
O sofrimento não vem sabermos desse relativismo do sentido, mas de estruturarmos todo um modo de vida, relações e identidades a partir de sentidos que tomamos como absolutos. Ao buscarmos o inerente na natureza, ela nada nos diz, quanto a sentido. Ao buscarmos na sociedade, vemos uma multiplicidade de verdades em combate, disputando como remédios definitivos a angústia e desespero das pessoas.
Essa angústia e desespero são condições humanas da qual nem a religião e nem sistemas filosóficos mais eruditos e sofisticados não podem nos livrar. Não sem motivos, causam, a religião e a filosofia banalizadas como ideologias, adoecimentos mentais em formas de fuga da realidade e outras formas de sua negação.
As filosofias e as religiões, mesmo as mais sofisticadas e mesmo as mais eruditas, não conseguem nos levar para algo que seja além da cultura, do tempo, da história, ou seja, algo que seja inerente a natureza, ao cosmo ou universo. A constatação do traço humano, discursivo, ideológico, simbólico e cultural nos entrega a subjetividade, circunstância e relativismo que fragilizam as pretensões mais sérias a encontrar o sentido absoluto.
A religião abraça a dúvida como o ato de fé e a transforma em mistério e aspecto sagrado a verdade, ou as verdades, que organizam a personalidade e a vida em sociedade. Até que outras verdades surjam e respondam aos embaraços da narrativa humana vendida como palavra de Deus ou natureza humana.