Obrigados à felicidade
Vivemos tempos nos quais as lágrimas são proibidas. Vivemos tempos nos quais a dor precisa ser ignorada. Vivemos tempos nos quais não podemos ousar dizer que a vida, por vezes, é dolorosa. Porque não. A vida não é dolorosa. A vida é maravilhosa! A vida é esplêndida! Você que não é suficiente para ela.
São mentirosos os que essas coisas venderam. E eles sabem que o são. Nós é que não entendemos que por trás dessa obrigação pela felicidade há indústrias que lucram, empresas que ne beneficiam, pessoas que surfam na miséria humana. Porque acreditar que a vida é só maravilhas nos torna miseráveis.
Sim. Eu acredito que a vida, em seu amplo sentido, abarcando a existência do misterioso Universo, da natureza como a conhecemos, das pessoas, enfim, de tudo aquilo que nossos sentidos apreciam, é sim um espetáculo. Assista ao pôr-do-sol. É como se um artista pintasse o cenário. Assista ao sorriso espontâneo de dois apaixonados. É como se um nobre pintor fizesse a cena. São coisas pequenas. Que poucos observam e notam. Mas que quando e elas dedicamos nossa atenção, são capazes de nos fazer sentir que a vida é um espetáculo.
Mas os espetáculos não são apenas o glamour exposto nas revistas de famosos. Ao contrário. Só quem os vive de verdade sabe o sufoco que por vezes precisa enfrentar. Eles envolvem dores que a plateia não acompanha. Envolvem lágrimas que o grande público não percebe. Na vida, esse espetáculo do existir, ocorre o mesmo. Temos o pôr-do-sol que nos agrada e o sorriso apaixonado que nos inspira, mas também temos o sangue derramado que nos apavora e a dor da fome que nos assombra. Não dá para ignorarmos o fato de que na vida não há apenas coisas boas ou apenas coisas ruins. Elas se misturam. E, em dados momentos, ocorrem simultaneamente!
Com isso quero reafirmar o que disse antes. Quem fala que a vida é só bonança e que nossos olhos é que estão empoeirados não passa de um mentiroso. Sim. Às vezes precisamos trocar as lentes, porque às vezes estamos distorcendo a realidade por uma crença que nos incomoda, por uma ansiedade que nos agita, por um medo que nos paralisa. Então precisamos entender a irracionalidade desse medo e a disfuncionalidade dessa ansiedade, para contemplarmos a realidade com mais clareza. Contudo, em outros momentos, não são nossos olhos que estão turvos, mas a vida é que está nublada, destruída, em ruínas.
Um exemplo claro que posso dar é relacionado ao luto. Nos primeiros dias até toleram suas lágrimas. Mas conforme as semanas se passam e o seu lamento pela partida da pessoa amada persiste, começam a se incomodar. “Você precisa seguir em frente”; “A vida continua”; “Já faz tanto tempo”; “Já está virando drama”. Isso porque não podemos sentir tristeza. É inadmissível no século vinte e um sermos confrontados por emoções consideradas ruins. É como se, em meio ao luto, obrigassem-nos a dar uma festa.
Em certas culturas é assim que lidam com a morte.
Mas considerando que na nossa o significado que atribuímos é outro, como poderíamos sorrir tendo nosso futuro com aquela pessoa simplesmente reduzido a nada?
Esse foi um exemplo apenas para entendermos o que quero dizer. Você não precisa se condenar por estar angustiado porque perdeu o emprego, como não precisa se justificar por se sentir destruído com o término daquele namoro tão significativo. A vida não é apenas maravilhas. A vida não é apenas alegrias. Tem hora que ela é violenta. Tem hora que ela é assustadora. Estar vivo é por si só paradoxal: alegramo-nos pela chance, mas assustamo-nos pelo fato de que, não tendo sido consultados para aqui estarmos, não seremos consultados quando chegar a hora de ir.
Aceite suas dores. Aceite seus lamentos. Aceite seu sofrimento. Não precisamos ser felizes o tempo todo. Pergunto-me se algum de nós, em algum momento, foi de fato feliz. Porque nem sabemos o que ela é. A felicidade está no amor? Então nos casamos. A felicidade está no dinheiro? Então trabalhamos. A felicidade está em conhecer o mundo? Então colocamos a mochila nas costas e vamos em frente. Por um momento essas coisas nos satisfazem, mas o tempo passa e lá estamos nós de novo, procurando por uma forma nova de alcançar a felicidade, pois não temos certeza do que ela é nem onde se encontra.
Talvez as coisas fiquem mais fáceis se assumirmos para nós que a vida é complexa e não pode ser compartimentalizada. Com isso repito o que disse. Coisas boas e coisas ruins acontecem simultaneamente. Você pode chorar pela partida repentina de seu amado esposo e ao mesmo tempo gargalhar com uma pergunta inocente do filho de cinco anos que ficou. Porque a vida é assim. Estranha. Esquisita. Dolorosa. Dolorosamente maravilhosa.
(Texto de @Amilton.Jnior)