Do lado de fora
“A palavra amor anda vazia. Não tem gente dentro dela”. Foi Manoel de Barros quem nos presenteou com tal reflexão. Em tão poucas palavras ele parece descrever a sociedade do século vinte e um. Um século de imediatismos e agilidade. Um século de tanta informação e ideia. Um século com tanta gente “sábia” falando sobre tudo como se realmente soubesse, como se tivessem profundidade o bastante para falarem sobre diversos assuntos, dentre os quais está o amor.
Porque o comportamento das pessoas nos últimos anos tem sido o de, do lado de fora, sendo meras observadoras, considerarem-se como se estivessem experimentando na pele aquilo de que falam. E “ai” de você se contradizê-las. “Ai” de você se, tendo experiência e autoridade para falar, mostrar o quanto estão enganadas e equivocadas. Não aceitam. O século vinte e um tem sido um século de pessoas que, dotadas de audição, não ouvem – ou não querem ouvir?
Faço essa introdução para que entendamos o motivo para que a reflexão de hoje se iniciasse com aquela frase. Estando do lado de fora, sendo apenas observadoras, as pessoas não conseguem colocar argumentos sólidos e consistentes em seus discursos. Banalizam o complexo. Desvalorizam o precioso. Falam de amor sem senti-lo. Falam de amor como se soubessem o que ele quer dizer, como se realmente soubessem o que é amar. Mas o amor tem estado vazio. Vazio porque falam dele do lado de fora. Não o adentram. Não o experimentam em sua grandeza e intimidade. Falam pelas beiradas. Mas nunca o tocaram de verdade.
Mesmo aqueles que estão em namoro ou em casamento.
Não amam realmente.
Claro que não estou generalizando. Tem muita gente por aí realmente sábia e esclarecida a respeito dos assuntos do coração e que conseguem viver o amor em sua plenitude e inteireza, entendendo a plenitude em seu real sentido: vivem o amor em meio às delícias que ele proporciona, mas também em meio às dores que ele provoca. Porque amar dói. E é claro que dói. Amar de verdade outra pessoa implica em aceitarmos o fato de que amaremos alguém real, de carne e osso, e não uma simples construção de nossos sonhos infantis baseados naquelas histórias de príncipes e cavalheiros. As pessoas chegam. Interessamo-nos por elas. Criamos ilusões, é inevitável. O tempo vai passando e a gente vai se conhecendo. As ilusões são quebradas e a realidade se revela como é. E é nesse ponto que veremos quem sabe o que é o amor e quem fala dele estando do lado de fora.
Não estou dizendo que o amor suporta amarguras e assombros. Talvez aquela pessoa que achávamos tão incrível se revele uma grande manipuladora que nos causa sofrimento. Afastarmo-nos dela significa que não sabemos o que é o amor? Pelo contrário. Significa que nos amamos antes de amar aos outros. Condição primeira para que tenhamos bons relacionamentos.
No entanto, muitos se equivocavam na arte de amar porque quando a vida real é enfim vivida, longe daquelas construções da paixão, querem de volta as projeções que fizeram, o quadro que pintaram, o livro que escreveram em suas mentes tendo um começo, meio e fim determinados. Equivocam-se por ignorarem o fato de que ao amar alguém não estarão amando a si mesmas, logo, não poderão amar projeções ou idealizações, terão que amar a realidade como ela é.
É por isso que o amor anda vazio de pessoas. É por isso que os relacionamentos fracassam e desmoronam. Porque quando falamos de amor estamos falando de disposição para contemplarmos a outra pessoa em sua completude. E nesse gesto iremos nos deparar com traços não tão agradáveis. Com trejeitos não tão atraentes. Com características que fazem parte de quem o outro é e que, talvez, o desconfigurariam se as perdesse.
Acontecesse que tantos, achando que estão amando, fazem o impossível afim de transformar a outra pessoa em sua própria imagem e semelhança. Isso não é amor. É narcisismo. É querer ver no outro o próprio reflexo. E para se ver você não precisa do amor. O espelho pode perfeitamente lhe atender nesse desejo.
(Texto de @Amillton.Jnior)