Reflexões sobre o processo de autoconhecimento
Sempre tive receio de me enveredar na missão da divulgação do processo de autoconhecimento, porque a questão sempre me pareceu muito mais profunda do que já vi nas mais diversas constatações. A insegurança em abordar algo profundo e torná-lo banal me acompanha desde que comecei a compreender certas questões. Não desvalorizo o que é simples e até raso, porque se define como uma polaridade não menos importante que aquela que diz sobre a profundidade. Existem pessoas preparadas ou não para diferentes níveis de percepção.
Mas voltando ao aspecto do autoconhecimento, compreendo que este não se trata da questão de descobrir e afirmar características que se encontram apenas no campo da consciência, aquilo que conseguimos enxergar sobre nós, e que, de algum modo, servem simplesmente para nos reafirmar e nos adaptar diante da sociedade, para ideais de prazer, resultado e desempenho. Não que isso não tenha seus benefícios. Por exemplo, sei preliminarmente que sou uma pessoa predominantemente introvertida, que sou atenciosa, que tenho empatia pela dor do outro, que me dou bem com a simplicidade, que gosto de gatos, que gosto de filmes e jogos de terror, que me irrito facilmente com barulhos, que me sinto desconfortável ao falar em público, que não sou boa em acordar cedo, que não sei resolver uma equação, e uma simples divisão por quatro já é capaz de me travar, etc.
Conhecer tais características em mim mesma me auxilia na vida cotidiana. Porém, tenho a nítida impressão de que não sou apenas isso. Sou também aquilo que meu eu consciente ainda não é capaz de vislumbrar. É isso que torna o processo de autoconhecimento mais complexo do que parece, visto quão difícil é reconhecer em nós mesmos aquilo que é doloroso e inaceitável, aquilo que aprendemos desde a tenra infância a reprimir, por não ser condizente com regras e moldes impostos pela família, pela sociedade e cultura vigente. Tudo isso simplesmente vai embora e deixa de existir? Há razões concretas para acreditar que não. Aquilo que está represado, simplesmente foi esquecido e armazenado, e hora ou outra, emerge para nos assombrar. Deslizes, palavras trocadas, esquecimentos repentinos, sonhos perturbadores, pensamentos vergonhosos, desejos recobertos por medos e julgamentos para com atitudes alheias.
Muitas vezes, é assim que a fração sombria e desconhecida da personalidade se manifesta. Ela não diz respeito apenas ao potencial destrutivo que alojamos interiormente, mas também à toda criatividade possível, que pode nos levar à consciência de aspectos muito benéficos a nós mesmos e aos outros. Algo me diz que o autoconhecimento dura uma vida toda e não pode ser encerrado. Algo me diz, que não sou apenas aquilo que sei sobre mim, mas principalmente tudo aquilo que ainda desconheço.