Depois da vírgula, continue
Quando se fala sobre desistir da vida, muitas pessoas sentem um grande peso nessa ideia. É como se a percebessem carregada de dor, de sofrimento, de frustrações, de uma nebulosidade densa e insuperável. É como se tudo o que restasse fosse a desesperança, o desamparo, aquele sentimento profundo de desânimo e descrença, quando nada mais faz sentido, nada mais tem propósito, coisa alguma tem valor.
Esse cenário de profunda melancolia é verdadeiro quando falamos sobre desistir da vida. É afogando-se nessa realidade de dor e lamento que muitas pessoas adotam posturas trágicas e buscam, de maneiras fatais, silenciar aqueles pensamentos ensurdecedores que gritam apenas aos seus ouvidos e que não se fazem perceber por nenhum outro ser humano.
Quem sofre essa dor às vezes até tenta um auxílio e uma ajuda. Mas parece que ao seu entorno a multidão de gente anda ocupada demais com a própria correria, com os próprios problemas, com questões que lhes tiram a atenção e as distraem do sofrimento do outro. Ninguém o entende. Ninguém parece compreendê-lo. Talvez ninguém demonstre uma faísca de importância diante do seu assombro.
Sentindo-se solitário, sem saída, aquele indivíduo desiste da vida da forma mais brutal que concebemos. Coloca um ponto final. Não na vida em si. Não na existência como a entendemos. Não no ato de por aqui estar. Não era essa a intenção. A motivação que impulsiona a uma batalha ferrenha contra a própria biologia, programada para a preservação do ser, advém do amargor sôfrego daquela dor excruciante que arde na alma, que queima o espírito, que desespera, que apavora, que assombra. A intenção do ponto final é no sofrimento. Entretanto, é na vida que ele é sentido.
Mas esse ponto final poderia ser uma vírgula simples e gentil. É uma pena que muitos, ao desistirem da vida, não tenham tido a chance de entender que na vida sempre poderemos colocar uma vírgula depois de uma frase tão dura de se ler, escrever, viver. E é isso o que quero que você entenda nesse momento. Não importa a dor que esteja doendo. Não importam as lágrimas que estejam caindo. Não importa a gritaria desses pensamentos que tiram o seu sono. Você não precisa desistir. Não. Não precisa desacreditar. Você pode colocar uma vírgula e seguir adiante, escrever uma nova frase, finalizar o parágrafo, recomeçar a história em um novo capítulo!
E desistir da vida não tem apenas a conotação literal, por assim dizer. Quando o fôlego se esvai de nossos pulmões e o coração interrompe seu trabalho ininterrupto de tantos anos. Não. Pelo contrário. Não precisamos buscar pelo fim orgânico para desistir da vida. Desistimos dela de diversas formas e maneiras. Motivados por inúmeras razões que nos fazem acreditar que nada vale o esforço.
Alguém, por exemplo, que sofre uma desilusão amorosa pode desistir de acreditar no amor e, com isso, deixar de conhecer uma pessoa realmente incrível. Podemos citar outra ilustração e pensar em alguém que, vítima do preconceito do mundo, decide não ser como é e usar uma máscara que, embora o salve do escrutínio de uma sociedade cruel, não o salva de sua alma angustiada, sedenta por um pouco de autenticidade.
Então são várias as maneiras como podemos desistir de viver, desistir da vida, desistir de ter uma existência satisfatória e prazerosa. Dificilmente teremos uma experiência perfeita por esse mundo. As dores existem. Mas sempre poderemos ter momentos de alívio para o calor opressor do sol que ferve sobre nossas cabeças.
O convite é para que as vírgulas substituam os pontos finais. Aquele amor não deu certo, mas o próximo talvez dê, afinal, você estará mais sábio, mais entendida, saberá quais passos são seguros e quais escolhas devem ser evitadas. Aquelas pessoas não souberam aceitar e respeitar a sua singularidade, mas há alguém, em outro lugar, disposto a ajudá-lo a sarar suas feridas, disposto a ajudá-la a aceitar a si mesma, em outro lugar você poderá ter a sorte de experimentar a liberdade de sentir as dores e as delícias de ser quem se é. Apenas não coloque pontos finais onde as vírgulas cairiam melhor.
(Texto de @Amilton.Jnior)