Breve introdução à filosofia da matemática
Conhecer a matemática em sua essência é impossível, porém, se aproximar dela é uma questão meramente intelectiva, está a depender simplesmente de nossa intenção, pois os sentidos não tem participação no conhecimento matemático, assim, ascender ao conhecimento dos objetos matemáticos é simplesmente ascender até essas entidades universais e transcendentes. Sendo o mundo inteligível o real ou mais que real, a matemática não só é descoberta, como também é perfeita, ideal; somente a nossa práxis, mesmo como saber verdadeiro, deturpa a sua perfeição, pois jaz mundo sensível. Esta é, pois, a concepção de Platão acerca do conhecimento matemático. Para Aristóteles no conhecimento matemático há sim participação dos sentidos, a matemática se ocupa, portanto, em descrever de forma mais precisa os objetos sensíveis, isto é, a matemática é uma abstração, mas uma abstração do mundo sensível. Como para Kant a noção de espaço e tempo é inata e em seu sentido geral a matemática é uma linguagem que descreve as relações entre objetos no espaço, a matemática para ele era um conhecimento a priori, no sentido que independe da experiência. Assim como era sintética, pois é uma síntese do processo de percepção do objeto sob as intuições do espaço e tempo, dado as ideias inatas de espaço e tempo. O tempo aqui estaria relacionado a ideia de movimento, sucessão, que para ele era justamente de onde deriva-se a continuidade na sucessão dos números inteiros, por exemplo. Assim, a aritmética teria origem no a priori do tempo e espaço. Atenha-se ao fato que são também a priori por causa da sua necessidade de ser universal.
Na geometria euclidiana espaço é o conjunto de todos os pontos, ou seja, a somatória dos infinitos pontos entre as extremidades de uma linha reta, por exemplo, e os infinitos pontos externos a esta. Newton concebia o espaço de forma semelhante, para ele o espaço era absoluto e independia dos objetos que nele repousavam (sua extensão permanece mesmo sem sujeito), ou melhor, ocupavam, estaria próximo _ se pensarmos no ponto como uma entidade abstrata concebida aquém dessa realidade _, ao axioma do ponto de Euclides, onde sujaz todos os seus postulados, ou seja, a uma substância. Não podendo, assim, ser um acidente. Difere, portanto, em dois atributos do espaço de Descartes. Onde para este o espaço não existe por si ou em si, ou seja, era relativo, haja vista, ser apenas uma "propriedade relacional com os objetos", isto é, sua existência depende dos objetos ou substâncias extensas que repousam ou se movimentam "sobre ele" (como percepção dele agora como espaço) e era algo mais próximo de um acidente por estar plenum de substâncias extensas. Tal ideia onde coloca o espaço na posição de subproduto de nossas percepções dos objetos que nos cerca é por definição psicologista e é semelhante a concepção de espaço de Kant, onde conceitua o espaço como condição de nossa subjetividade ou sensibilidade (E-->S). Contudo, tal concepção moderna é deveras problemática, pois pode nos conduzir ao solipsismo e/ou relativismo ou niilismo; tudo está a depender da dosagem. Como bem fez Nietzsche no seu livro "o livro do filósofo", em específico no capítulo três, ao conceituar que a ciência provém de um conjunto de narrativas que se harmonizam em prol de um propósito, primeiramente, enganar a nós mesmos ao acharmos que estamos lendo a natureza, fugindo assim da realidade, aliviando a angústia e, segundamente, controlar os outros e outras narrativas por meio da grande narrativa, a que melhor explica a natureza. A estas narrativas ele chamou de metáforas úteis, metáforas por ser a única coisa que a linguagem científica faz, ao relacionar a com b e b com c por meio de d e só explicar d por meio de c e c por meio de a. Posteriormente em "a gaia ciência" Nietzsche antropomorfisa a natureza ao conceituar que nunca conseguimos falar sobre algo sem falarmos sobre nós, isto é, ao descrevermos a natureza estamos na verdade projetando atributos, desejos e assim por diante, que nos diz respeito nela. Estamos, portanto, representando. Assim sendo, a matemática para ele é apenas uma linguagem inventada que acidentalmente descreve relativamente bem a natureza, é o que nos leva à acreditar que a natureza é escrita em caracteres matemáticos. Esta perspectiva construtivista é extremamente problemática, pois coloca a subjetividade como determinante, como alicerçe de todas as coisas. Sendo assim, tudo é arte e ao mesmo tempo nada é arte ou a arte não é nada, pois o ser humano é um animal que representa, não diferente seria a ciência, ela é uma representação e, portanto, uma arte rigorosa de interpretação. Entretanto, convém questionar, se o homem projeta-se na natureza, Nietzsche o fez ao descrever esse mecanismo? Se não, como foi possível enxergar a natureza tão nitidamente? Se sim, como saberemos que a descreveu, no mínimo, verossimilmente? O que nos resta é acreditar ou não, pois parece-me que temos como resposta o sim e o não, eis o que por concausa foi gerado após aceitar a relação condicional entre espaço e sensibilidade. De forma semelhante é em Husserl, pois ao postular que a matemática nasce da subjetividade de um determinado indivíduo, ele tenta descrever um caminho que o leve até a objetividade social, pois é necessária. Mas não é obtido o sucesso, pois a intersubjetividade, que provém da abertura do indivíduo ao mundo, não é suficiente para determinar por conformidade e/ou acordo um parâmetro fixo de determinação da coisa compartilhada _ após trazida a consciência _ como objetiva/realista, apenas como objetiva/necessária, isto é, a objetividade aqui tem bem mais um compromisso com o pragmatismo do que com o realismo.
Inicialmente para Wittgenstein a matemática teria que ser completa, pois ao falar sobre algo devo saber do que falo e isso implica conhecê-lo em sua totalidade. A extensão para ele era apenas aparente, pois a cada fórmula adicionada a uma certa extensão de um dado sistema há a preservação da consistência apenas por uma analogia com as fórmulas anteriores, ou seja, pelo método analógico, que por definição é aproximativo, verossímil, aparente. Porém, a necessidade de provas na matemática implica a necessidade de métodos e, por conseguinte, de um sistema formal que os comporte, permitindo, assim, as operações lógicas. É apenas no segundo Wittgenstein que a matemática é posta em movimento ao perceber que as quebras de paradigmas, ou a refutação de uma conjectura _ por ser necessária _ só é possível se a abordagem de um determinado objeto (perspectiva) não implicar uma verdade diferente de outra (perspectiva). Assim sendo, o perspectivismo não implica a incompletude; isto já está de certa forma subjacente no conceito de referência, representação e sentido de Frege. Portanto, provar uma conjectura é prová-la também em uma determinada dimensão e refutá-la é também a refutar em uma determinada dimensão, não em sua totalidade real (a referência), mas apenas teorética, isto é, formal.