Luto e amor
No final do ano passado, se bem me lembro, escrevi um livro que expressava bem o que havia vivido naquela ocasião. Ao longo do segundo semestre tive a oportunidade de fazer um estágio na faculdade tendo como foco pessoas que estivessem sofrendo pela dor do luto. Com tantas pesquisas realizadas, com tantas histórias ouvidas e depois de um trabalho acadêmico desenvolvido, sentei-me para escrever o que pude aprender com essa experiência. Era para ser um livro explicativo, falando sobre luto, suas fases e como podemos fazer para passar por esse momento de dor e amargura. O que era para ser uma explicação deu lugar à imaginação e à reflexão. Indaguei-me, ao longo de toda essa obra, sobre “quanto custa o amor”. E encontrei a resposta. A dor de perdê-lo.
“Se nos comprometermos a amar, inevitavelmente conheceremos a perda e o luto. Se tentarmos evitar a perda e o luto, jamais amaremos de verdade” (Mark Nepo)
E agora, quase um ano depois de ter escrito “Quanto Custa o Amor?”, deparei-me com essa frase no livro “Tudo Bem Não Estar Tudo Bem”. Sabe quando experimentamos aquela sensação de “era isso o que eu queria dizer, mas não sabia como”? Pois é. Esse pensamento me impactou quando o li. É isso o que penso. É assim que entendo o amor. E é sobre isso que quero conversar um pouquinho com você.
Talvez esteja enfrentando a dor do luto, e então acabou sendo atraído pelo título dessa reflexão. Ou então está convivendo com alguém que passa por essa dor, e também pelo título resolveu parar um pouco para ler. Fato é que todos nós, em algum momento da existência, sentiremos essa dor ou estaremos ao lado de alguém que a sente. Luto e Amor. Um contínuo. Há um elo entre eles. Uma ligação íntima e profunda que não pode ser desfeita.
“Se nos comprometermos a amar, inevitavelmente conheceremos a perda e o luto”. Existe verdade mais profunda que essa? Ao amar verdadeiramente entregamo-nos, concedemos partes de nós, oferecemos a quem é o dono do nosso amor algo significativo a nós e que até aquele instante nos pertenceu exclusivamente. Mas agora é dele. É todo dele. Para que faça o que quiser. Uma parte que, inevitavelmente, perderemos. Porque quando ele partir, quando ele deixar de caminhar a estrada da vida ao nosso lado, levará consigo aquilo que um dia nos pertenceu, aquele pedaço de nós que embora fosse dele, ainda esteve conectado, de alguma forma, ao nosso corpo, à nossa alma. Mas quando o amor da nossa vida se vai, leva consigo o que de mais valioso poderíamos ofertar: nosso afeto, nosso desejo, nosso mais sincero amor.
E isso é doloroso. Dói ter uma parte arrancada de nós. Dói perder visões sobre nós. Porque é o que acontece. Na morte não é apenas o orgânico que finda, que é confrontado pelo ponto final. Na morte sonhos são interrompidos, projetos são encerrados, uma vida precisa ser revista e refeita. Porque nada, absolutamente nada, será como um dia foi. Perdemos a realidade que tanto nos agradava. Perdemos a pessoa que nos fazia bem. E com ela perdemos parte de nós: o elo que nos unia. Esse é o preço do amor. A dor de perdê-lo.
“Se tentarmos evitar a perda e o luto, jamais amaremos de verdade”. No entanto, apesar do incômodo fato de que o preço do amor é doloroso, não podemos buscar formas de evitar a perda, de nos desviarmos do luto. Só há uma maneira de passarmos imunes por essas experiências: não permitindo que o amor verdadeiro nos toque, vivendo em relações superficiais, sendo, nós mesmos, superficiais diante da vida. Vale a pena? Pense na pessoa que mais ama. Embora saiba que, como qualquer ser humano, ela está se destinando ao ponto final, valeria a pena, por medo, na ânsia por não sentir a dor de amar, nunca tê-la conhecido? Acredito que sua resposta tenha sido não. Pense no sorriso que não conheceria. Pense na risada que nunca ouviria. Pense no jeito bravo que nunca o divertiria. Pense nas conversas bobas que nunca teria. Pense no ombro amigo no qual nunca se apoiaria. Pense no abraço quente e aconchegante no qual nunca se refugiaria. Pense em tudo o que perderia por não ter tido a coragem de amar.
Porque amar é um ato de coragem. Não esse amor supérfluo que as pessoas vendem por aí. Um amor egoísta, frágil, interesseiro. Falo do amor verdadeiro. Que encara desafios. Que lida com desconfortos. Que é confrontado pelas dificuldades da vida. Um amor que, por ser verdadeiro, supera as dificuldades. É corajoso permitir-se ao amor sabendo que, em algum momento, precisaremos deixá-lo ir. Mas antes que vá, que o desfrutemos. Antes que vá, que o sintamos. Antes que termine, que o vivamos. O amor pode doer. Mas não amar pode nos destruir.
(Texto de @Amilton.Jnior)