Ser de alguém

Muitas e tantas pessoas falam de amor. Muitas e tantas pessoas, sem qualquer receio ou timidez, dizem que amam. Muitas e tantas pessoas, querendo discursar belamente, impressionar a plateia, pronunciam o quanto acreditam no amor e lutam para que todos tenham a sorte de vivê-lo. Mas muitas e tantas pessoas falam superfluamente do profundo, fazem uma descrição simplória do complexo, descrevem de forma efêmera aquilo cuja duração é maior que o próprio tempo: eterno. Eterno quando verdadeiro. Verdadeiro quando vivido em sua essência.

Porque o amor é complexo, contraditório, parece um dilema e, por vezes, se comporta como um paradoxo. E a isso ninguém parece se atentar. E eu me pergunto como podem ignorar a grandeza e a profundidade desse que é uma das maiores virtudes do mundo? Virtude porque o mundo seria um lugar pior sem amor – talvez nem houvesse mundo. E um dia aprendi que quando pensamos em algo e concluímos que sua ausência tornaria o mundo um lugar pior, estamos diante de uma virtude.

Então o amor é uma virtude.

Somos virtuosos para ele?

Porque o fato é que o amor nos dá um poder tão imenso e transformador. Fico me questionando se somos merecedores de tal bênção. Mais do que merecedores. Se somos dignos! Dignos no sentido de responsáveis. Conseguimos entender a responsabilidade que recai sobre as nossas mãos quando nos permitimos amar e sermos amados? Acho que já falei sobre isso aqui. E tenho a impressão de que foi recentemente. Mas quero repetir. Quero repetir para ver se as pessoas entendem, aprendem e compreendem. Quero repetir para tentar fazer com que o amor, essa nobre virtude, não seja a cada dia banalizado por pessoas desvirtuadas.

Quando falamos de amor falamos de importância. Através do amor podemos ser o motivo das maiores alegrias de alguém. Podemos, em uma tarde qualquer, enquanto ele se atarefa atrás de um maquinário, colocar um sorriso em seu rosto pela lembrança da nossa face. Podemos, em uma manhã qualquer, enquanto ela escreve na lousa a lição que aplicará em seus alunos, acelerar seu coração pela lembrança da nossa voz. Podemos, em um anoitecer qualquer, quando nos encontramos na porta de casa, dirigir um ao outro aquele olhar apaixonado e aliviado: eis nós aqui de novo!

Já parou para pensar nisso? Através do amor podemos ser a alegria, a felicidade, o motivo de alguém. Não torça o nariz. Nem me chame de romântico sonhador. Se assim o fizer serei obrigado a dizer que, infelizmente, ou você nunca conheceu o amor ou o viveu da forma errada.

Porque se temos o poder de arrancar sorrisos espontâneos e suspiros profundos, podemos também provocar as mais amargas, cruéis e dolorosas lágrimas. A nossa ausência, a nossa negligência, a nossa falta de interesse ou cuidado pode, naquele que nos ama, provocar feridas que não são vistas na pele, porque são causadas na alma! Temos o poder de ser a felicidade de alguém. Temos o poder de ser a destruição do sonho de alguém. Podemos arrancar as mais divertidas e leves gargalhadas ou podemos proporcionar razões para as mais ácidas e densas lágrimas. Através do amor podemos curar. E através do amor podemos ferir, mutilar.

Percebe o quanto esse sentimento é complexo? Não é apenas aquela coisa dos filmes românticos ou dos livros cheios de sentimentalismo. É algo da vida. E tudo o que pertence a vida é complexo demais para as nossas ligeiras, frágeis e superficiais definições e descrições. O amor não pode ser definido inocentemente em uma palestra. Não pode servir apenas de fundo para discursos que buscam pelo brilho do orador. Porque muitos falam de amor sem saber do que realmente estão falando. Da complexidade que é amar. Da intensidade que é ser amado. Da mistura de emoções e sentimentos que é permitir-se à mais virtuosa das virtudes.

Quando amar ame com respeito.

Quando o tema for amor, seja responsável.

Ser de alguém é ter na mão a capacidade de levar o sol até ele, e assim aquecê-lo ou queimá-lo.

(Texto de @Amilton.Jnior)