Sentir-se insuficiente
Você já deve ter experimentado aquela sensação de ser insuficiente, não é mesmo? Ou talvez a esteja experimentando nesse exato momento e, por isso, acabou fisgado pelo título da reflexão. Fato é que todos nós, em algum momento da nossa existência, provaremos do amargo sabor da insuficiência, aquela crença de que não somos bons o bastante e, por mais que façamos, nunca seremos capazes de algo satisfatório, aceitável e que agrade (a nós, mas, sobretudo, aos outros).
Muitas são as causas dessa sensação de insuficiência. Podemos ter vindo de uma família com altos padrões de exigências. Pais tremendamente rígidos que, embora estivessem pensando no nosso melhor, não conseguiam reconhecer os nossos pequenos esforços sendo que, ao longo do nosso desenvolvimento, são os nossos menores passos que nos ajudam a ganhar impulso para os grandes saltos!
Mas a culpa não está apenas dentro das nossas famílias, se é que podemos falar em culpa (pais exigentes provavelmente foram filhos de pais também exigentes, e o ciclo é infinito). Também podemos receber a ingratidão ou a falta de reconhecimento em nosso ambiente de trabalho, onde, quanto mais trabalhamos, quanto mais nos empenhamos, mais parece que somos cobrados a melhorar, a entregar mais do que entregamos, a nos aperfeiçoarmos ilimitadamente. A questão aqui talvez seja de responsabilidade inteiramente nossa. Precisamos, antes de qualquer coisa, reconhecer quais são os nossos limites, quais são as fronteiras do nosso território para que, na relação com o outro, nesse caso, na relação com nossos pares ou chefes, saibamos pontuar até onde podemos ir, até onde conseguimos chegar, respeitando a nossa saúde, respeitando a nossa existência.
No entanto, grande parte desse sentimento de insuficiência, de pouca eficácia, de baixo rendimento, reside no fato de que estamos sempre, a todo momento, constantemente, comparando-nos uns com os outros como se a vida fosse assim mesmo – essa eterna competição. Na verdade, a vida foi feita de competição na lógica selvagem do neoliberalismo: uma lógica que precificou a nossa existência, ou seja, precisamos provar o nosso valor a partir daquilo que fazemos, que produzimos, que entregamos. Com um detalhe: o seu deve sempre, sempre e sempre, ser melhor que o do outro. Pensar que alguém pode fazer melhor que você significa ser assombrado pela ideia de que o seu lugar pode ser tomado.
Até onde vale a pena ir por uma realidade tão grotesca e selvagem? Até onde vale a pena se deixar levar por esse paradigma que pegou as nossas vidas e a fez de mercadoria? Nossa existência não é um simples produto exposto nas prateleiras do supermercado, pronto para o uso e para o descarte. Nossa existência é uma dádiva sublime e suprema demais para a fragilidade da compreensão humana. E por não compreendermos o seu valor, deixamo-nos levar por uma lógica competitiva que apenas nos adoece e nos faz sentir insuficientes.
Talvez você seja suficiente. Não para os outros. E na realidade buscar ser suficiente para os outros é uma busca inútil – eles sempre terão novas exigências a fazer, de maneira que hoje a cobrança era para que você encontrasse um emprego melhor, amanhã a cobrança será para que você assuma o posto mais elevado e depois de amanhã será para que abra o próprio negócio, em resumo, as pessoas são constantemente insatisfeitas. Mas talvez você já seja suficiente a si mesmo. Já tenha conquistado o que realmente queria conquistar. Já viva o que realmente gostaria de viver.
Mas talvez não. Talvez, ludibriado pela lógica neoliberal, agindo como um competidor voraz no falsificado octógono da vida, você esteja se perdendo de si mesmo, deixando de ouvir seus próprios desejos e de prestar atenção nos próprios sonhos, preocupando-se inutilmente em vencer aqueles que, tão exaustos quanto você, são vistos como adversários. Pendure as luvas. Pare. Respire e reflita. Pelo que realmente vale a pena lutar?
(Texto de @Amilton.Jnior)