A xícara cheia
Tem uma história que diz mais ou menos o seguinte. Um homem foi até o mestre para que este lhe ensinasse algo. O mestre, então, colocou uma xícara de café sobre a mesa e começou a despejar o líquido preto dentro da xícara e não parou, mesmo quando o café já transbordava e se espalhava por sobre a mesa. O homem o interrogou sobre aquilo. E o mestre lhe disse que nada poderia lhe ensinar pois ele era como aquela xícara, estava cheio de suas próprias ideias e opiniões.
Por vezes olhamos para o mundo, para as pessoas, para os comportamentos que elas expressam, para as experiências que são vividas e ficamos sem entender. Confusos, reclamamos. “Que mundo doido”, chegamos a manifestar. Só que a questão é que queremos entender a realidade do mundo e das outras pessoas presos às nossas próprias perspectivas e expectativas. Queremos entender a vida do outro sentados em nossa própria cadeira, apoiados em nossa própria janela. Só que o outro está em outra cadeira, assiste à vida de outra janela.
Vamos às pessoas cheios de nossos conceitos, cheios de nossas definições para o que é a vida. E, ao ouvi-las, estando repletos de nossos próprios jeitos de ver e entender o mundo, não conseguimos assimilar o que elas nos dizem, não conseguimos compreender o sentido de suas palavras, não somos capazes de entrar em contato com os seus sentimentos e a sua verdade. É o outro quem fala. Mas são os nossos pensamentos que ouvimos. Transbordamos. Não permitimos que o outro se achegue em nós e nos encha um pouco de si, mostre-se e nos ensine sobre quem ele é.
Antes de ouvir as pessoas, antes de tentar compreendê-las, mesmo estando você pautado na melhor das intenções, querendo apenas compreender, acolher e ajudar, desfaça-se do conteúdo que traz em sua própria xícara. Ou, mesmo que não queira se desgarrar daquilo que é seu, traga uma xícara nova, vazia, para que seja preenchida pelo que o outro quer lhe mostrar. Prove um pouco desse café. Experimente o seu sabor. Sinta o seu cheiro. Entenda como ele é feito. Mas entenda de verdade, liberto do seu jeito de fazer café, disposto a entender os motivos que levam o outro a prepará-lo da sua maneira. Isso é compreender alguém. É permitir que ele nos preencha.
E quando partir, estará tudo bem se quiser voltar à sua própria xícara, retomar a sua própria forma de fazer café. Como também estará tudo certo se você concluir que o café do outro é mais gostoso e que a partir de agora adotará o seu jeito de fazê-lo. Ainda estará tudo tranquilo se, juntando ao seu o jeito do outro, você criar uma nova receita para o tão conhecido café. Apenas não vá às pessoas já armado pelas suas ideias e opiniões. Deixe que elas falem realmente. E as ouça de verdade. Entenda o seu lado. A sua visão. O seu lugar. E, assim, tendo adentrado o universo do outro, você poderá entender que ele é tão digno e tão único quanto o seu. No final das contas é o que somos: universos circundantes.
(Texto de @Amilton.Jnior)