Vida ocupada
Calma. Respira. Pare a correria do dia nesse momento e leia as palavras a seguir com tranquilidade, com serenidade, sem pressa, sem afobação, procurando entender seu sentido, buscando compreender o seu significado, porque a vida não precisa ser esse avançar desenfreado do relógio, esse passar corrido do tempo. A vida não precisa, mas sobretudo, não deve ser essa correria.
“Tome cuidado com o vazio de uma vida ocupada demais” (Sêneca)
É isso. Essa simples frase, dita há tantos anos por um filósofo que já não existe, traz consigo uma sabedoria tremenda para esses dias cotidianos que vivemos. Dias de trabalho acumulado. Dias de obrigações que se seguem aos montes. Dias de tarefas e atividades que parecem intermináveis. Nem as crianças são poupadas dessa loucura dos adultos que pensam que para a vida valer a pena, ser produtiva e satisfatória, deve estar atolada em uma lista de afazeres: é escolinha de futebol, é aula de canto, é treino de natação, é aula de Inglês e, apertando a agenda, ainda cabe aquela aula de alemão. Quanta coisa! Quanta ocupação. Quanto desperdício de vida!
Não. De forma alguma estou criticando que crianças ou adultos estejam envolvidos em atividades que lhes façam crescer, amadurecer, conhecer coisas novas e se preparar para a vida profissional. Essas coisas são importantes. Aliás, ajudam muitos a SUPERAREM (fiz questão de destacar essa palavra, superar não é ignorar ou esconder – falaremos mais ao final do texto) problemas emocionais quando conseguem ocupar a mente com atividades que, além de prazerosas, lhes sejam enriquecedoras. Mas precisamos de calma e cautela. A vida não é uma competição. E apesar de passar rápido, não precisamos viver naquela constante sensação de falta de tempo. Porque temos tempo. Temos tempo para coisas que realmente importam.
Quando nos ocupamos com coisas demais, achando que precisamos sempre ocupar nosso tempo com algo “produtivo”, perdemos tempo com nossos filhos, com nossos pais, com nossos amigos, perdemos tempo de lazer, de diversão, de descanso. Vivemos em constante ocupação e não percebemos a vida passar, não realizamos nossos sonhos, não vivemos nossas vontades, não mergulhamos naquelas fantasias de quando éramos crianças e desejávamos assistir ao nascer do sol em uma manhã de verão. Coisas importantes. Valiosas. Mas que são ignoradas nessa cultura da afobação, da pressa, do “estar ocupado”. Não precisamos estar ocupados pelas vinte e quatro horas dos nossos dias para sermos produtivos ou úteis – como parece que esperam que sejamos. Precisamos ser apenas suficientes para cumprir com nossas obrigações e viver a nossa vida.
Sem dizer que às vezes nos atolamos de distrações para não precisarmos lidar com as dores da vida. Ignoramos aquele término que foi doloroso, tentamos neutralizar aquele luto sôfrego pela partida da nossa mãe, procuramos emudecer aquele choro pela traição de alguém querido ou buscamos, desesperados, simplesmente silenciar a nós mesmos daquela sensação assustadora de não sermos suficientes para nos fazermos felizes. Preferimos calar nossos pensamentos, silenciar a dor de nossa alma, do que lidar com o sofrimento de frente, encarando-nos olhos. E, então, atolamo-nos de distrações.
Mas chega uma hora em que a dor se torna insuportável e as lágrimas, ao ficarem tão fortes, acabam capazes de nos afogar. E aí precisaremos olhar para esse sofrimento, para a ferida aberta que arde impiedosamente. O problema é que talvez possa ser tarde e o caminho rumo à cura difícil demais. Então que não nos ocupemos simplesmente com a intenção de ignorarmos nossa existência. Existir dói mesmo, a vida nos reserva muitos momentos angustiantes. Mas só conseguiremos superá-los de verdade se, ao invés de ignorá-los, encará-los no mais profundo de seus olhos e, ainda que somente para nós mesmos, comprometermo-nos com a missão de adentrar o processo da nossa própria cura.
(Texto de @Amilton.Jnior)