Embalagens sedutoras
Não tenho certeza, mas essa frase foi creditada como sendo de Eduardo Galeano: “Vivemos na cultura da embalagem, que despreza o conteúdo”. Reitero que desconheço a fidedignidade do crédito, no entanto apreciei esse pensamento pela sua capacidade de dizer a verdade em tão poucas palavras. Que profundidade! E que honestidade! Um verdadeiro puxão-de-orelha na sociedade consumista na qual vivemos.
É claro que o consumo faz parte da nossa existência. Sem consumo, sem roupas, sem comida, sem lazer, sem educação. Então, sim precisamos consumir. O problema é quando ele se torna exagerado, exacerbado, desnecessário, não permitindo que tenhamos uma poupança ou que possamos investir nosso poder aquisitivo em coisas mais benéficas, sustentáveis e significativas.
O problema maior é quando o ato de consumir se torna uma definição de quem você é. O problema é quando o ter fala mais alto que o ser. O problema é quando a cultura da ostentação faz as pessoas correrem aos shoppings, por exemplo, encherem as sacolas enquanto esvaziam o coração. Armários cheios! Garagens lotadas! Guarda-roupas abarrotados! Almas pobres. Espíritos miseráveis. Corações desguarnecidos, sem nada.
O problema cresce. E fica pior quando, não satisfeitos com as mercadorias que acumulamos por impulso e descartamos assim que as consideramos obsoletas, tornamos as pessoas, nossas relações, como acessórios que são exibidos na vitrine para que alguém os compre. A frase citada acima possui trechos anteriores, como este: “Vivemos em um mundo onde o funeral importa mais do que o morto”. Comercializamos tanto as pessoas ao ponto de as tornarmos acessórios de ostentação a nós mesmos. E quando elas se vão, partem, damos um verdadeiro show no que deveria ser uma cerimônia serena, de respeito e veneração àquele ou àquela que, ao marcar nossa vida não pelo que tinha, mas pelo que a nós era, deixa uma dor em nosso peito – mas será que realmente amamos as pessoas ao ponto de sentirmos sua falta quando elas se forem? Ou será que não amamos apenas aquilo que elas podem nos dar, sejam coisas materiais ou status e prestígio por caminharmos ao seu lado?
“O casamento mais que o amor”, a frase continua. Nem me fale. Lembro de um casamento no qual fui. O espaço era bonito. O evento foi bem organizado. Música de qualidade. Um buffet para ninguém colocar defeito. Cadeiras e mesas bem dispostas. Tudo do melhor. Acho que passou um mês até que recebi a notícia de que o casamento fora apenas aquilo mesmo, uma cerimônia, não vingou, o casal se desfez e o amor, se realmente existiu, acabou. Fato é que até o amor foi comercializado. Confunde-se amor com desejo. Não apenas o desejo físico, mas desejo por ser como aquele, ter aquilo que ele tem, viver a vida que ele vive. Desejo de desfrutar do que ele pode me oferecer – não no sentido de valores do coração, mas da carne, da vida efêmera, dessa que o tempo enruga, enverga, deteriora.
“E o físico mais do que o intelecto”, a frase termina. Não há problema em querer se cuidar. É até saudável que você tenha uma boa prática de exercícios físicos, com alimentação balanceada, associada a uma boa dose de amor próprio e autoestima satisfatória. O problema é quando queremos nos definir por nossas pernas torneadas ou por nossos bíceps trabalhados, enquanto que, na realidade, um coração puro e uma alma honesta valem mais do que o corpo pode oferecer. Porque o corpo, com o tempo, perde a plasticidade, a flexibilidade, o vigor e a beleza. Mas a alma, com o tempo, acaba se enriquecendo pela experiência da vida e tendo muito a compartilhar com o resto do mundo, desde que, claro, busquemos por essa riqueza.
É isso. Nessa sociedade consumista na qual vivemos, procuramos pela embalagem na qual as pessoas se escondem. E nos deixamos seduzir por elas – não de forma ingênua, é o que buscamos, é a sedução que queremos. Não queremos conexões verdadeiras, ligações reais, amores sinceros. Queremos consumir. Queremos consumir aquilo que as pessoas têm a oferecer. Aquilo que pode acariciar nosso ego ou satisfazer nossa carne. Enquanto isso, vai se acumulando essa multidão de pessoas vazias, frias, gélidas, mortas embora vivas – morreram em vida.
(Texto de @Amilton.Jnior)