A pessoa por trás das palavras
Perder a paciência. Seria normal? Seria uma falta de virtude? Seria um defeito inaceitável? Não. Perder a paciência faz parte da condição humana. Coisas acontecem. Coisas muitas vezes intensas e pesadas demais para a fragilidade de nossos braços, para a limitação de nossas forças. Coisas que nos tiram dos eixos, provocam desestabilizações, fazem a vida dar aquela “sacudida”. Não somos máquinas, entende? Somos feitos de carne, osso e sentimentos. E carne, osso e sentimentos não são metais conectados a fios que se ligam a uma central automatizada. Carne, osso e sentimentos não podem ser automatizados porque ser humano não é ser indiferente à vida.
Então perder a paciência faz parte da vida. Não sempre. Claro que não. Ninguém se sente à vontade vivendo ao lado de alguém impulsivo, descontrolado, que pelas razões mais bobas possíveis descarrega uma carga desproporcional de energia irada sobre as demais pessoas. Mas vez ou outra perderemos o chamado “equilíbrio”, sairemos de nossa constante paz, sentiremos o fervor do sangue nos consumir. A questão é o que fazemos com essa experiência tão naturalmente humana.
Usamos essa ausência de paciência como? Como lidamos com aqueles momentos nos quais nos sentimos alheios de nós mesmos, sem controle sobre nossas palavras ou atitudes? Simplesmente permitimos que a raiva nos consuma? Descontamos em inocentes? Causamos destruições? Essa é a questão. Faltar com a paciência é normal. Sentir aquela pontada de desconforto perante algo que não aconteceu como esperávamos também é corriqueiro. Não é normal agirmos de forma irracional ofendendo, machucando ou até mesmo nos maltratando.
E, geralmente, essa falta de paciência nos acomete quando alguém nos diz palavras ásperas. Ah! Ouvir desaforos... Ninguém gosta de ouvir desaforos. Ninguém gosta de ser confrontado em seus próprios olhos e ouvir discursos desagradáveis. Não. Não gostamos de ser ofendidos. Não gostamos de palavras que firam nossa alma ou agridam nossa honra. Então reagimos. O outro falou algo desagradável, nós retrucamos com algo desprezível. O outro aumentou a voz energicamente, nós mostramos que temos ainda mais potência em nosso brado. E criamos uma guerra. Tudo porque não soubemos como reagir à nossa falta de paciência. Lembre-se. Sentir que a paciência está acabando (ou mesmo que acabou) é natural. Explodir? Não.
Há alguém por trás das palavras que nos foram dirigidas. Por mais doloroso e angustiante que seja entender as coisas por essa perspectiva, por trás daquelas palavras ásperas, injustas até, existe alguém que pode estar sofrendo, que pode estar sangrando, que pode estar passando por dificuldades e desafios que nem imaginamos. Há uma pessoa por trás das palavras que nos são dirigidas, por piores que elas sejam. Nosso erro está em confundir o discurso com o orador.
Só que eu reconheço que não é tão simples. Não é tão tranquilo ouvir inúmeros desaforos, sentir que a paciência se foi, respirar serenamente e, enquanto o outro nos dirige ofensas aos berros, abaixarmos nosso tom de voz e mantermos o controle. Nossa vontade é responder na mesma moeda. Partir para o braço em casos extremos. Mas isso, desculpe-me, é selvageria. Não somos civilizados? Não prezamos por bons modos? Boas maneiras também se fazem necessária na relação com o outro.
E relacionarmo-nos uns com os outros é uma arte. E toda arte envolve dificuldades tremendas. Deve existir treino, preparação, controle, inspiração. O artista não pode pintar seu quadro de qualquer maneira. Mesmo aqueles que se aventuram no abstrato de suas mentes procuram por algum sentido no que estão fazendo. Relacionamentos são uma arte. O problema é que as pessoas não se dispõe a desenvolvê-lo com comprometimento e seriedade. Não procuram ouvir a outra pessoa em sua plenitude. Não procuram desenvolver em si mesmas a habilidade de ouvir para além das palavras. Sentem-se ofendidas por motivos pequenos. E reagem de forma grandiosa ao que poderia ser contornado depois de um tempo de silêncio, de reflexão, de pensamento sobre como responder à dor do outro.
Mas se você acha difícil ouvir as ofensas da outra pessoa e, preso na falta de paciência, ter que enxergar o ser humano por trás dos discursos, pense em você mesmo. Pense que direcionou palavras rudes e cruéis a quem mais ama. Por mais que você se oponha e me diga que isso seria impossível, eu digo que não, quando nos deixamos governar pela falta de paciência nos esquecemos que amamos. E ofendemos. Será que você é o que disse? Será que a sua verdade estava realmente expressa nas tais palavras pesadas? Você queria mesmo machucar quem ama? Queria causar aquelas lágrimas? Aquela tristeza? Aquele desgosto? Ou será que não foi apenas mais um ser humano que, angustiado por tantas dores, afogado em tanto estresse, reagiu mal quando poderia ter feito diferente? Você não gostaria de ser visto para além das palavras que proferiu?
É isso. Precisamos ter mais tato e sensibilidade em nossa relação com as outras pessoas. Há alguém por trás dos discursos. E só conseguiremos enxergá-lo quando aceitarmos que a paciência acabou, que precisamos de um instante para recuperá-la e que, depois que o sangue esfriar, estaremos com a mente límpida para contemplarmos o coração afligido que se deixou levar pelas amarguras da existência.
(Texto de @Amilton.Jnior)