Água mole em pedra dura tanto bate até que fura
Uma pedra no caminho
Uma das ferramentas de transformação mais perfeitas são os poemas.
Eles promovem uma mudança genuína, através de verdades sutis.
Cito a esse respeito o seguinte poema de Carlos Dummond de Andrade:
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
O poeta apresenta um fato tão simples e corriqueiro da vida como uma pedra no meio do caminho para expor problemas tão complexos nos quais nos envolvedos quotidianamente, e que nos são tão penosos e sofríveis.
De acordo com as filosofias orientais, em especial o budismo, nada é bom ou ruim, apenas é. Bom e ruim são construções mentais. Somos nós que percebemos algo como bom - se nos dá prazer - ou ruim - se nos causa dor. Entender essa verdade é a ideia da afirmação de Siddartha Gautama: “Tudo é não pessoal”.
Somos nós que tornamos os acontecimentos algo pessoal, um problema a ser resolvido ou um objetivo a ser perseguido. Quando algum acontecimento corriqueiro da vida nos atinge de qualquer forma vem aquela velha frase “ah Deus, por que eu?”, mas não tem nada a ver conosco, não somos especiais, apenas temos dificuldade de entender que as coisas são como são e pronto.
Se há uma pedra no meio do caminho não precisamos transformar isso em um dilema pessoal, em uma fonte inesgotável de lamentos e sofrimento. Contorne a pedra e pronto, siga seu caminho. Se não for possível contornar, remova a pedra, e siga seu caminho. Se não for possível remover a pedra, retorne, encontre outro caminho.
A água que corre nunca pode ser obstada porque ela não perde tempo problematizando os obstáculos. Ora ela os contorna, ora ela passa por baixo deles, ora por cima. Se ela é contida ela vai se acumulando, se acumulando, até que ela transborde e volte a correr, ou até que tenha força para arrebentar a barragem e voltar a correr.
Que possamos se mais como a água, pois como diz o ditado “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.