Breves considerações sobre a semiótica de Charles S. Peirce
Os símbolos são representações (representare), podemos vislumbrar sua natureza através de sua etimologia, "Colocar a frente". Para Peirce os símbolos podem ser termos, proposições ou argumentos, onde _ para ele _ uma proposição seria um signo que indica de forma distinta o seu objeto (o que está a 'denotar'), que é seu sujeito, porém, permite que o seu interpretante seja aquilo que pode ser, eis o ser (sujeito) da proposição no enquanto. O interpretante seria a imagem que o signo ao ser 'observado' por 'alguém' cria na sua mente, ora, isto nada mais é do que a tríade linguística/ontológica algo, algum/alguém, tríade esta que acusa o imprescindível do "anular-se" a priori em toda investigação linguística/epistemológica, pois a significação imediata (ou aparentemente) e automática é assumida como base para conceituar ante a 'tudo' (o signo), base esta que mesmo não verbalizada em sua negativa, ou positiva é crida, pois, afinal, o que se estaria fazendo? Esta mesma ideia _ de forma embrionária _ da relação recíproca entre a coisa e a cognição está em Ockham, porém, isto é impossível pelo simples fato do concipiere ser possível somente mediante a intenção. Representar algo para alguém é pôr-se naquele algo, sim, tal afirmativa é realizada por meio da probabilidade, contudo, essa probabilidade é abdutiva (a única operação lógica que trás uma nova ideia e que propõe algo e como pode ser). O corpo de um signo é a estruturação que ele assume mediante interpretação, é por isso que seu significado modifica-se ao longo do tempo, mesmo não significando que não havia um a priori. O símbolo não é uma imagem da ideia significada, e sim a imagem da ideia à interpretar, isto é, a significação _ em grande parte subjetiva _ é imagem _ aparente, pois em grande parte construída artificialmente _ da ordem dos fatos e das coisas, que são os signos de fato (em si) e o dinâmico (a relação deles no tempo e espaço). Ao dizer que um representâmen cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, está a assumir um ato 'a partir' do signo, que é uma inferência em relação a representação, tendo em vista, que o símbolo também pode ser uma reminiscência de um fato com um indivíduo. O representante existe por semelhança, já podemos ter aí um vislumbre do signo-pensamento. Assumir que toda cognição é uma consciência é negligenciar a possibilidade de outra antecedente como causal desta (imanente). O efeito interpretativo do signo (interpretante) é o espelhamento por semelhança da "outra coisa" com o sujeito (em ato de cognição ou cognitivo), pois não há aqui uma "distinção significante" entre cognição e coisa por não haver fundamentação da cognição se não no ato cognitivo, haja vista, que em Aristóteles temos uma relação de identidade entre ato e potência, e que para Peirce fundamentar a cognição em uma causa geradora desconhecida, mas que explica o fenômeno, é autocontraditório, assim como para ele não é possível ter autoconhecimento. Entretanto, esta inferência hipotética não se fundamenta em algo absolutamente externo a ela, pois a quantidade é um conjunto de relações ordinais e espaciais (a partir do ponto) numa série linear, assim sendo, partem de uma quantidade absoluta. Ao partirem de uma quantidade absoluta devem por definição serem também absolutos, que é a sua essência, como as partes definidas dos termos. Ao serem fragmentados, pois não são o todo, estes pequenos absolutos (unidades menores) denunciam o macrocosmos, pelo menos espacialmente, ou por outra, o espaço absoluto. E assim como a quantidade aponta para o campo, o ente (aqui como coisa/signo) aponta para o ser e, por conseguinte, para a res cogitans. Como podemos observar, a amplitude de um signo está em relação direta ao quanto podemos ou falamos sobre ele, isto é, assim como a proposição, a profundidade do signo está em constante mudança, pois o estado de coisas está mudando conforme a significação. Da mesma forma quando recordamos algo, onde na verdade reelaboramos. Uma vez que, o total do fato ("tudo" a relacionar-se com um ser-algo _ inclusive o que lhe constitui _, isto é, um algo determinado) é geométrico, isto se aplica a todos os caracteres reais. Todo símbolo é uma representação de um signo, que para se fazer entender faz-se necessário muitos outros, neste sentido, são _ indiretamente _ essenciais. Portanto, representam as proposições sintéticas das quais ele não participa. Dessarte, o símbolo apenas representa, é uma imagem de um objeto. Assim, podemos melhor observar a estapafúrdia da afirmação de Peirce, "O signo cria algo na mente do intérprete, algo que, pelo fato de ser assim criado pelo signo, também foi, de modo mediato e relativo, criado pelo objeto do signo, 'embora o objeto seja essencialmente outro que não o signo'. E esta criação do signo é chamada de interpretante. 'Foi criada pelo signo em sua capacidade de suportar a determinação pelo objeto'."
Todo juízo é uma decisão de significação, isto é, é optar por um argumento, seja ele apodítico (ou dedução), ou provável e isso se dará através de asserções e análises de proposições, neste âmbito, um juízo é um ato consciente; os símbolos estão presentes como representações de noções de valores, não apenas moral, mas todos eles. Não há distinção, que não seja didática, entre objeto imediato e dinâmico, assim como entre interpretante, significação e interpretação. Ao significar um signo estou interpretando e reinterpretando vários outros para este compreender, assim como estou conceituando por meio de proposições (são ações concomitantes e automáticas), ao final de tudo isto, terei uma representação _ por meio da síntese, a síntese de todas as outras _ da representação, isto é, uma representação da imagem do signo, que é intrinsecamente concebido como tal. Assim sendo, conceber um signo é automaticamente, haja vista, o pensando contínuo, representá-lo. Portanto, a representação de um signo é a concepção deste. O objeto do signo é a coisa, que está, também, a depender do contexto. Não só em sua interpretação, mas "em-si-com", isto é, em si e em suas relações, que é com outros "outra coisa". Seu significado é a ideia da representação, quer seja através de uma suposição ou outro raciocínio qualquer. Destarte, eu acrescentaria ao axioma peripatético, "Nihil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu, 'hic est intellectus'." Isto, as ações concomitantes e automáticas conjuntamente com o fato de que todo pensamento está e se dar por meio dos signos, nos dá o vislumbre de que a mente ou a sua verdadeira natureza é determinante em toda e qualquer significação, nos seria não o objeto, mas o sujeito. Estaria, portanto, a apontar à verdade. Rematando, os signos só podem ser percebidos quase simultaneamente nas suas três categorias fenomenológicas por meio da terceira, que seria a sua relação com a terceiridade, é onde a diferença entre a minha concepção e a de Peirce é mais gritante.
Peirce afirma que todas as faculdades cognitivas que conhecemos são relativas e, portanto, seus produtos são relações, haja vista, que não existe um signo sozinho, porém, para ele toda cognição é consciente e dialógica, pergunto, ao ser esta cognição logicamente determinada por uma prévia, não sabendo eu qual (s) a seria (s), faz-se ela (s) não mais consciente (s) ? Uma vez que, sem entrar em pormenores, o inconsciente é o ainda não consciente, teremos aí o inconsciente. Podemos observar em um dos seus escritos tardios, o artigo "Sobre a telepatia", a conceituação _ no concernente ao juízo perceptivo e o percepto _ do antecipuum e ponecipuum, onde se faz presente o inconsciente. Assim sendo, podemos trazer o elemento psicodinâmico da cognição e assim entendermos melhor o signo-pensamento ao lembrarmos da obra de S.Freud "Psicopatologia da vida cotidiana", onde temos os lapsos de linguagem por relações semânticas, semelhanças fonéticas, a condensação de ideias, etc.. Aliás, como disse Pacheco, "As neurociências vêm confirmando inúmeros postulados psicanalíticos modernos, no estudo das funções cerebrais mais diferenciadas. Entretanto, os neurocientistas não podem mais deixar de lado as contribuições da ciência do inconsciente, como nós psicanalistas não desprezamos os desenvolvimentos dos conhecimentos das ciências cognitivas e das neurociências em geral", dado que ao conceber o cérebro dando enfoque a neuroplasticidade podemos ter um diálogo entre a psicanálise e as neurociências, como podemos observar no artigo "Psicanálise e neurociências: contornos difusos? Notas em torno da noção de plasticidade cerebral". Inobstante, o eu para a psicanálise é descentrado, tensionado entre instâncias, produto do inconsciente, a imagem do estádio do espelho e os processos que nos levam a tomar uma decisão, agir, também são determinados em grande parte pelo inconsciente e tudo isso já é sabido pela neurociência.
O problema está justamente em generalizar a lógica da ideia do objeto fumaça e do objeto fogo, que para ser verdadeira implicaria causalidade, a todos os signos visíveis, interpretante e objeto. Tal experiência estaria registrada na mente do sujeito perceptor. Se tal relação não existir de antemão, o sujeito não interpretará o objeto fumaça como signo do objeto fogo, daí a importância do hábito para Peirce e também podemos entrever que a associação de imagem seria a associação de juízos. Voltando a analogia com Ockham, podemos ter a noção de que em Peirce o determinante em sua semiótica é o mesmo do conceitualismo de Ockham, pois para que um interpretante de um signo venha a existir é necessário que na mente do intérprete haja experiências registradas por semelhança, contiguidade e causalidade, pois é assim que os signos denotam.
Tendo em conta, minha concepção sobre o signo e a mente, todos os entes possuem valor intrínseco em seu ser, sua imagem provinda da sua estruturação específica, porém, sua essência, que é a ideia em si, é inacessível para nós. Somos seres portadores de valor, por isso existe tanto valor extrínseco, dado a nossa conceituação _ envolto em nossa subjetividade _ frente ao estado de coisas; como a interpretamos é em grande parte como a concebemos, daí a importância do contexto. Isto posto, bom e mau não são apenas sentimentos, pois o valor não o é em todo subjetivo, existe um de fato e não é necessário a intuição para distinguir as condições prévias (elementos subjetivos), pois há _ também _ um realismo no que tange a esta questão e temos uma razão suficiente para nos aproximarmos _ por verossimilhança _ de tais verdades, também, através do contato intuitivo e singular com o ser.