A dor da impossibilidade
Às vezes perdemos tempo com coisas que não agregam em nossas existências. Por motivos bobos. Pelas causas mais superficiais e frágeis possíveis. Por coisas corriqueiras, que fazem parte da vida apesar de terem tão pouco significado, mas que interpretamos como sendo as responsáveis pelo sentido que daremos aos outros, às nossas relações e aos nossos afetos.
Distanciamo-nos por razões imaturas. E permitimos que um abismo entre nós e as pessoas que importam – as pessoas que realmente importam – seja construído e evolua a cada dia até se tornar incorrigível. Amigos íntimos se transformam em completamente desconhecidos. E amantes intensos perdem o amor que um dia existiu e se esquecem das promessas que um dia fizeram. Por razões imaturas, por coisas corriqueiras, por desentendimentos que poderiam ser melhor resolvidos a partir de uma conversa sincera, honesta, entre pessoas dispostas a melhorar.
Porque estar numa relação significa exatamente isso: dispor-se a crescer, a melhorar e a amadurecer em conjunto. Porque relacionamentos pressupõem que ambas as partes se dedicarão a fazê-la acontecer. Não acho que possa existir uma relação unilateral. Se alguém, dentro de um relacionamento com outra pessoa, sente-se sozinho, é melhor que viva consigo mesmo e poupe-se de dores. Nesse sentido, é importante que todos, dentro de uma relação, façam a sua parte para que os vínculos sejam mantidos e fortalecidos.
Para que isso aconteça, no entanto, será necessário que nos desvistamos de nossas preconcepções, de todas aquelas roupagens que trazemos conosco ao longo da estrada da vida. Não quer dizer que teremos que nos perder de nossa identidade. Quer dizer que precisaremos rever nossos conceitos sobre o mundo, sobre as pessoas, e até sobre nós, se quisermos que, em nossa relação com alguém importante, possamos crescer e viver aqueles sentimentos que um dia foram experimentados. É uma anulação mútua para uma afirmação recíproca. É assim que os relacionamentos deveriam funcionar – todos se empenhando pelo seu melhor.
Só que não é o que acontece. E, como falei no início desse texto, por motivos bobos e razões infrutíferas, histórias de amor e amizade são interrompidas de formas dramática ou traumática. A cumplicidade e o afeto dão lugar à rivalidade e ao rancor. E o que de mais sublime podemos experimentar em nossa experiência humana se desfaz como a neblina da manhã quando o sol desponta no horizonte. O amor deixa de existir. Deixa de ser sentido.
Mas não notamos que “a saudade que mais dói é a do abraço não dado e do te amo não dito”*. O tempo passa. E, quando os sentimentos de outrora eram realmente verdadeiros, a dor chega. A dor por aquilo que não foi vivido, embora pudesse. A dor por aquilo que não foi sentido, embora tivéssemos tido a chance a poucos metros de nós. A dor por, em nossa ignorância, termos ignorado a oportunidade de passar pela vida e desfrutar de suas mais sutis paisagens.
Essa saudade, infelizmente, nunca pode ser saciada. Porque, para nossa infelicidade, ela surge quando a impossibilidade é um fato. É quando as histórias não podem mais ser vividas ou reescritas que a saudade dói. É a dor de saber que nunca mais teremos a chance de olhar para o objeto de nossa afeição e declarar-lhe o quanto o consideramos, o quanto o estimamos e o quanto almejamos pela sua eterna presença em nossa vida enquanto a eternidade durar. É a dor da impossibilidade. E para essa dor não há remédio, não há bálsamo, não há alívio. A dor de saber que não vivemos o que esteve bem à nossa frente, à nossa disposição, chama-se arrependimento. E se arrependimento mudasse alguma coisa... não sofreríamos pelos ditos e não ditos.
(Texto de @Amilton.Jnior)
(*) Trecho da música “Sinfonia do Adeus”