Barões e Escravos do Café
A obra “Barões e Escravos do Café”, de Sônia Sant´Anna, conta a história do Vale do Paraíba, o início da colonização da região com a construção da estrada nova, em 1.698, o crescimento e declínio da sociedade cafeeira, os gastos exorbitantes, ao luxo, o envio dos filhos para estudar na Europa, que voltavam com ideias libertárias e modernas, as dívidas impagáveis com bancos e os movimentos abolicionistas que culminaram com o fim da escravidão.
A obra, apesar de tratar do antagonismo de interesses entre os barões e os escravos do café, traz lições importantes para ambos os lados, e induz a reflexão e empatia, ao mostrar a cada um dos lados, a situação do lado oposto.
Declínio do café, perda de produção, falta de crédito, escassez de mão de obra, movimentos e revoltas por todo o país, bradando pela independência do Brasil e pelo fim da escravidão, mudanças político-econômicas drásticas que ameaçavam as famílias tradicionais do Vale do Paraíba, que gozavam cada dia de menos prestígio (e menos dinheiro).
Houve quem tentasse uma manobra ousada diante da dificultade na contratação de imigrantes (nacionais ou não) para trabalhar nas lavouras de café. A ideia era alforriar os escravos para ganhar-lhes a gratidão, tratá-los com o mínimo de dignidade e contratá-los a salário, realidade que se tornava cada vez mais irreversível. Os mais antigos se negavam veementemente a afrouxar um centímetro que fosse no cabresto dos pobres homens animalizados. Por falta de consenso, e temendo represárias dos próprios páreas, os cafeicultores mais dinâmicos e visionários recuaram na proposta. Todos juntos afundaram com o navio.
A Lei 3.353 de 13 de maio de 1888 (Lei Áurea) colocou fim a uma barbárie de 353 anos, pelo menos em tese. Em uma noite os escravos comemoraram nas ruas o fim da escravidão, mas no dia seguinte voltaram às ruas para mendigar, roubar e se prostituirem. Passaram uma vida inteira sonhando com o fim das correntes, mas o sonho no fim não era tão dourado como parecia, pois como iriam descobrir a duras penas, as piores correntes não são aquelas que atam pés, mãos e pescoço. Muitos negros nunca saíram da senzala. Parecia mais seguro se agarrar aos velhos senhores do que ficar à mercê de esmolas pelas sarjetas.
Mas por que o fim da escravidão não resolveu o problema dos negros? Na lição do filósofo grego Aristóteles, a verdadeira liberdade não é aquela que livra das correntes, e sim a que permite escolher livremente seu próprio caminho. Sem estudos, sem posses, sem profissão, a falta das correntes muito pouco mudou na realidade escrava desses homens e mulheres castigados pela vida. A cor da pele continuou sendo sinal claro de uma condição sub-humana.
Esse relato histórico do Brasil imperial dos séculos XVIII e XIX nos ensina muito sobre as terras tupiniquins do século XXI. De nada adianta não estar preso a correntes se você não estivermos em condições de escolher livremente nosso caminho. A nossa vantagem em relação aos escravos de outrora, é que nós podemos estudar, podemos ler, podemos nos profissionalizar, podemos lutar por um futuro melhor, com as condições de que dispomos. Temos bibliotecas municipais ou públicas em cada município brasileiro. Temos escolas públicas e cursos mantidos pelo governo. Muitas empresas possuem bolsa de estudos, oferecem cursos de aperfeiçoamento ou estágios profissionalizantes para os próprios funcionários.
O que falta muitas vezes é o interesse. Condições que os negros escravizados sonharam ter no passado. Mas o interesse também está estreitamente ligado à consciência, que traduz nossa atual "condição" de escolher livremente o nosso caminho. Podemos fazer uma analogia ao velho ditado "quem tem dinheiro faz dinheiro" para dizer que quem tem conhecimento busca conhecimento. Só quem entende o valor do conhecimento sabe sua importância, a ponto de buscá-lo com afinco.
Como incentivar quem não entende o conhecimento como um valor em si mesmo a buscá-lo? Essa tem sido a luta árdua de educadores Brasil afora. É preciso, de alguma forma, incentivar a leitura, o estudo, incentivar o raciocínio, a reflexão, é preciso plantar a filosofia no coração e mente das pessoas, tornando-as apaixonadas pelo conhecimento que por fim lhes tornará livres de verdade.