o seu desenho e meu coração
eu sentei na minha velha escrivaninha, cercada pelos meus livros, disposta a escrever um texto sobre como venho me sentindo esses últimos dias. sobre como me sinto em relação a você – ou melhor, sobre a sua ausência, que permeia tudo aqui em casa. o que me faz pensar em me mudar, para não ter que encarar seu fantasma preparando café na cozinha ou deitado no sofá da sala de estar lendo um dos meus romances favoritos, recitando em voz altas os trechos que marquei. mas aí eu achei, entre as páginas do último romance que você começou a ler e parou na metade, um desenho seu. às vezes, eu esqueço como você gostava de desenhar e rabiscava qualquer pedaço de papel que achasse, em qualquer lugar que estivesse. contudo, o seu último desenho – que eu suponho ser o seu último desenho – me tocou profundamente. não passa de rabiscos apressados, em que se vê duas pessoas, um casal, que anseiam por um toque, um beijo. estão próximos, com os lábios entreabertos, tocando a ponta do nariz um do outro, compartilhando o mesmo ar e quem sabe, o mesmo amor e dor? entre eles estão um arame farpado. talvez simbolize a distância que há entre eles, que desejam se tocar, mas não podem. parece loucura eu ficar analisando tão intimamente o seu desenho e imaginar se, possivelmente, você se inspirou em nós? acho que estou apenas querendo entender um pouco mais você. li em algum lugar que conhecemos mais as pessoas pela forma como elas saem da nossa vida, do que da forma em que elas entram. mas você manteve toda a sua gentileza ao ir embora. devo lhe dar os créditos por isso. não sei se teria a sua elegância. minha intensidade é bem barulhenta e inconveniente. seu desenho é bem bonito e profundo. obrigada por deixá-lo comigo. sabe, há amores que são difíceis de serem superados. e, sem dúvida, o seu ainda está bem vivo em minha mente. eu sei que quem me olha vê que eu estou bem, mas não se engane. eu vesti o rótulo de normalidade que é imposto por essa carrasca sociedade, que não permite que os corações sensíveis sofram demoradamente. é consequência de caminharmos nessa monótona existência. a liberdade parece não mais ecoar, a luz do farol que está na minha estante parece ter se apagado, a brisa que entra pela minha janela não me dá mais a calmaria de antes e o ansiar pelo calor do sol não preenche mais meu dia. eu sei que tudo soou bastante melancólico, além do que sou normalmente, mas eu estou bem. ao menos tentando... eu ousei ser humana, permiti sentir o que todo mundo busca, mas poucos conseguem, e hoje careço de encanto. citando alguém que não faço ideia que disse isso, “é melhor amar e perder do que nunca ter amado”. eu amei você e sei que você me amou e isso é única verdade que importa. pode não ter durado para sempre, mas isso não significa que não foi real. mas, confesso, gostaria de um dia poder ouvir de novo um “eu te amo” de seus lábios. de sentir os seus braços ao redor de mim e sentir que poderia curar os meus longos prantos e remendar os pedacinhos do meu coração após sua partida. quem sabe sorrirmos um riso alegre e juvenil de outrora. taças de vinho, chocolates, poesias escritas para você. um beijo roubado. um dia de reencontro de quem fomos. apenas um dia a mais para vivermos a nossa história e depois seguirmos em frente. sei que é leviano pensar isso, mas quem pode me julgar pelos meus pensamentos? quem nunca teve vontade de reviver o passado que atire a primeira pedra. sinto correr bem aos moídos o desejo pela volta do nosso intenso e memorável passado. feliz, como mostra o porta-retrato de nós dois que está virando na mesinha da sala de estar. mas será que o que já se foi continua intenso, como na lembrança? não tenho resposta... realmente não sei. seria ingenuidade achar que sim. tudo o que sei é que no fim das contas o que resiste e permanece é a história, no nosso caso, contada através dos livros, dos desenhos, do meu apartamento, dos porta-retratos, das memórias, do fio vermelho que uniu um dia nossos corações e da possibilidade de um amor bonito e épico. ainda amo você, mas preciso deixar você nas páginas desse livro, junto com o seu desenho e meu coração.