A beleza necessária
Constantemente na minha infância, eu me pegava fazendo perguntas enquanto observava o mundo. Elas giravam entorno das mazelas da humanidade, da dureza física das coisas e da dureza dentro das pessoas que causavam tantas dores. Se a dureza física do mundo, machuca fisicamente as pessoas numa queda, tropeço ou colisão e não podemos modificar a natureza dele, poderíamos modificar o nosso coração, tornando-o um lugar macio e dessa forma não haveria guerra entre nações e muito menos entre pessoas que deveriam se amar.
Naquela altura das minhas indagações, eu sentia forte inclinação para observar as pequenas belezas do mundo, já que as asperezas dele de algum modo me causavam dores que eu não era capaz de compreender, suportar ou aceitar. Um dos amigos do meu irmão gostava de descer para a praça com um exemplar de um jornal chamado "O povo" e as notícias eram tão assustadoras quanto o prazer que ele sentia em lê-las em voz alta para nós...
A minha memória me leva agora para a estação do inverno e do quanto eu não gostava da programação da televisão neste período, pois era quando a emissora mais famosa, anunciava os filmes de terror ou de muita violência e eu ficava pensando: Se já existe tanto sofrimento na vida real e se nós não gostamos de sofrer e queremos a paz, o que faz as pessoas produzirem e consumirem mais violência e sofrimento, no lugar de usarem seu tempo e talento construindo um mundo interior mais macio para que tivéssemos que lidar apenas com a dureza do próprio planeta?
A minha mente fervilhava todos os dias sobre essas e muitas outras questões e sim, talvez eu fosse uma criança estranha, mas na verdade eu achava que as outras pessoas é que eram...
Eu gostava muito de me sentar nos banquinhos da praça para conversar com as senhorinhas e certa vez, uma delas me perguntou: você é criança mesmo ou uma pessoa grande num corpo pequeno? Não lembro qual foi a minha resposta, mas isso me fez reparar nos corpos das pessoas para tentar entender o quanto o tamanho deles, dizia sobre quem somos.
Uma pergunta me perseguiu...
"Somos do tamanho que temos?
Temos o tamanho do que somos?"
Em casa fiquei diante do espelho pensando sobre a pergunta que me levou a muitas outras. Reparei ali no espelho, tudo que a imagem me dizia. Vi meus olhos grandes, meu nariz que já carregava os traços fortes da família do meu pai, meu corpo muito magro, meus cabelos muito lisos e escorridos, minhas mãos e pernas finas e compridas... Fui então pro quarto da minha avó e me sentei na cama dela enquanto a fitava fazendo seu crochê na sua cadeira de balanço.
Eu a achava tão bonita...
Parecia uma nuvem clara num dia de céu azul!
Quando eu falei da beleza dela, a reação que ela teve, foi de recordar o quão bela havia sido na juventude e me apontar os defeitos que ela via nela mesma, como por exemplo, a pele do braço que estava começando a ficar levemente enrugada.
Pensei sobre a beleza e sobre o tempo...
O que tornava as pessoas belas?
Era o amor dentro do meu peito que me fazia ver a beleza em todas as partes da minha avó?
Em qual lugar mora a beleza?
Em qual lugar mora o amor?
Descobri naquele dia que toda beleza de alguém mora do lado de dentro, lugar que o espelho não alcança, nem os olhos distraídos do corpo.
Fiquei feliz! O tempo nunca apagaria a beleza da minha avó, nem a beleza que eu via nas outras pessoas...
Passei a olhar dentro dos olhos do outro alguém, de forma mais intensa. Lá dentro entre nuvens densas ou barreiras, existem infinitos tão bonitos de serem descobertos que às vezes elas mesmas não conseguem ver.
Somos seres infinitos num corpo finito.
Que sejamos capazes de ver no outro
O que de fato é importante, perene e bonito.