Desvanecendo

Revisitando esses eus, devo dizer e reconhecer: as coisas estão diferentes. Um cético de senso comum que conheço, que ignora as subjetividades inerentes ao ser, diria: reclama demais. Eu sempre reclamei muito. Reclamar é minha forma de diálogo com a vida. Reclamar em verbo transitivo direto é exigir, reivindicar. Sou eternamente insatisfeito com qualquer coisa que possa acontecer porque parece que existo por capricho, sobrevivo como autômato e vivo a contragosto. Quero ter e tirar o melhor de tudo. Talvez eu exija demais. Tive esse sonho real demais em que eu me desvanecia conforme andava mar adentro. Acordei molhado no meio de uma noite com temperatura abaixo de zero, me sentindo aquele guaxinim que vê o algodão doce desaparecer em contato com a água diante de seus olhos e não entende o porquê. Vasculha a água numa busca vã. Acordei sentindo o sonho, e o retrogosto de sal e desaparecimento era tão bom e, perdê-lo para a insossa realidade, tão ruim. As coisas estão estáveis. Ainda que seja pela prescrição de antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos e estabilizadores de humor que me deixam boiando dentro de uma névoa de apatia; espectador longínquo de acontecimentos que me acometem que me deixariam com a pálpebra tremendo na iminência de um AVC, espectador de acontecimentos que me acometem que me transformariam numa besta carnal; um robô com horário para acordar e bater ponto, buscando diariamente dentro de si uma humanidade que se afasta. O amor é uma corda que tenho me agarrado com vinte unhas e trinta dentes. Fortes e simbióticos, corda e eu. A única realidade a que se comprometer de coração nesse sensaborão todo. Que ano! Que idade! Que fase! Que coisa! Sol ardido de veranico, cabeça doida matutando meios de dar a volta por cima. Não quero desistir. As coisas estão diferentes.

Trespassers William - Different Stars.mp3

20/07/2022

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 20/07/2022
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