DE REPENTE
De repente você acha que não vale mais a pena fazer planos para o futuro. Você envelheceu ou está envelhecendo, e acha que só restam alguns anos de vida, e então a melhor coisa a se fazer é curtir o que já conquistou e desistir de qualquer tipo de ambição.
De repente, você percebe que os livros que acumulou na estante são muitos, e que ainda não leu a maioria deles. Teme que o tempo de vida que ainda lhe resta não seja o suficiente para ler todos eles, e se sente frustrado, como se uma ampulheta estivesse enfeitando a estante.
De repente você está em casa, olhando pela janela, e se dá conta de que quase vinte anos se passaram desde que você olhou por aquela janela pela primeira vez, e que a paisagem não mudou - as árvores e montanhas são as mesmas, o céu é o mesmo, mas você... e então vem aquela sensação (ou certeza?) de que quando você não estiver mais por aqui, não fará falta nenhuma ao mundo. Você não existe para o mundo, e nem é importante para ele. É ele que existe para você. Você vai passar - está passando - e ele vai ficar.
De repente, você olha em volta e percebe que a casa poderia se beneficiar com uma pintura, alguns móveis novos, plantas, uma redecoração. Mas daí você se lembra de que está velho, e pensa: "Para quê isso, se vai ficar tudo aí? Melhor só guardar dinheiro para deixar de herança para quem ficar."
De repente, você percebe que ainda não fez muitas coisas, e que não vai ter tempo de fazer tudo, mas que ainda há tempo para se fazer muitas coisas.
Conheci alguém que, aos sessenta e poucos anos, se sentia assim. Porém, ele não sabia que ainda viveria muito tempo. Morreu aos 96 anos, e perdeu um tempo enorme só esperando a hora chegar, ou seja, passou seus últimos 24 anos só esperando a morte.
De repente, a vida é hoje. Só hoje. Mas de repente, não.