Sentar-se à mesa
Por mais que vivamos em uma sociedade cibernética, cujas ações navegam na velocidade dos bytes, que talvez já seja maior que a velocidade da luz, jamais estarão à frente da velocidade do pensamento, que ligam elos e fronteiras, tempos e espaços, vidas e memórias...
O prazer de estarmos juntos às pessoas que nos fazem bem é algo que não se pode mensurar...
Não é por menos que as campanhas publicitárias e as palavras de ordens de grandes estadistas, apelam, na melhor das intenções, à sensibilidade emocional dos seres humanos, fazendo-os acreditar que todos, sem exceção, são seres pensantes...
A emoção movida por sensações nos leva a acreditar, mesmo que seja verdadeiro, que o tempo é algo tão curto, e que a vida é tão passageira e efêmera, que precisamos corresponder à engrenagem dos eventos e do movimento que movimenta a nossa realidade, para nos sentirmos aptos a trocar experiências, interagindo em uma nova vibe...
O pior é quando se percebe que todo o esforço feito em meio à corrida pelo pódio, não foi satisfatório para a autorrealização, tornando-se hipossuficiente para suas conquistas, levando suas perspectivas à luz de uma percepção em queda livre, em meio ao vão de sua consciência.
Não é difícil perceber desde as narrativas de épocas remotas, mesmo ao menor sinal de civilidade (o modo de produção comunal primitivo), que estar ao lado de pessoas que nos fazem bem é algo acolhedor e que transmite afetividade, segurança e prazer.
Sentar-se à mesa com pessoas que amamos, traz a contemplação da vida não limitada à luz da contemporaneidade, mas à vida que transcende ao tempo pela velocidade do pensamento, fazendo pontes entre o sentir e o sentido; o querer e o tido; o viver e o vivido...
Sentar-se à mesa é dividir momentos da vida, ampliando espaços para a percepção de quem estar ao nosso lado. É lhe dar o devido valor, onde o prazer de degustar se encontra em interação com as intenções do olhar e a sutileza do sorriso, por mais discreto e silencioso que seja, jamais deixará de ser desvelado.
Sentar-se à mesa é ato que materializa o motivo precedente de estar frente a frente, observando as nuanças da face e toda sua forma de expressão... É contemplar-se com o belo diante dos olhos, sabendo que a decisão de vir a ser, só dependerá de quem o possui e, mesmo assim, terá que se contentar com isso..
Sentar-se à mesa é se colocar disponível a ouvir o que alguém tem a dizer e, ao mesmo tempo, permitir que as palavras ditas causem inquietudes diante dos fatos narrados...
Sentar-se à mesa é fugir do banal, e possibilitar que o outro se permita a você se permitir... É se dispor a conceber o amalgama daquilo que estava desencontrado.
Sentar-se à mesa é oportunizar a você se encontrar consigo mesmo, sem perder a sensibilidade de quem está à sua frente ou ao seu lado. É reconhecer que somos humanos e não componentes eletrônicos... Por isso, sentimos frio, calor, fome, medo, ansiedade, carência, desejos, vontades, alegrias, tristezas, afetos, paixão, amor...
Sentar-se à mesa também é o momento do sim e do não. Do que não dá mais e do que veio para ficar. É como se dirigir à imagem que se reflete no espelho, dizendo quem és e onde se quer chegar, mesmo que ainda não estejas seguro a seguir adiante... É ato de introspecção!
Sentar-se à mesa, seja talvez, ser conduzido em meio às turbulências da vida, a algo denominado como razão, bom senso ou verdade, e que ainda não aprendemos a conceituá-los, pela ressignificação de sentidos que a vida tem nos convidado a conhecer ao longo do tempo.
E o tempo que temos diante de tudo isso, não é o que está nos espaços inconclusos da nossa mente, mas no efêmero presente que nos inquieta e no ansioso futuro que nos perturba, e que nos fará perceber que nunca fizemos nada sozinhos, mesmo quando pensávamos que fazíamos quando estávamos refletindo, sentados à mesa.
Recife, 14 de junho de 2022.
Luiz Carlos Serpa