Um ponto a analisar

Eu ainda lembro do tempo em que mãe costumava me dizer quando eu me interessava por alguém e ela não gostava da pessoa: “Minha filha, não queira namorar tal pessoa. Ore e peça a Deus que lhe mande a pessoa certa.” Eu respondia que, se eu ficasse apenas rezando e não fosse conhecer pessoas, jamais conheceria a pessoa certa nem a errada e que nenhum par amoroso caía do céu. Eu também dizia que eu não podia ficar como Rapunzel numa torre esperando um príncipe encantado. Hoje, ao refletir sobre esse conselho que minha mãe e outras pessoas me davam, eu penso que, se Deus existe, com certeza Ele não é nenhum casamenteiro e que não podemos saber o que nos serve se não tivermos nossas próprias experiências. Ninguém consegue nada apenas rezando, seja um emprego, um par amoroso ou passar em uma prova. Refletir sobre o que essas pessoas me diziam me faz suspeitar que muitas pessoas veem Deus como um gênio da lâmpada, alguém que tem que estar disponível para resolver todos os nossos problemas e nos dar o que precisamos ou desejamos. Analisando bem essa questão de pedir a Deus que nos dê o que precisamos, a vida trata de nos ensinar que só conseguiremos as coisas se lutarmos. E, no caso de conhecer um par amoroso, não é rezando e ficando parado num canto que se encontrará alguém. A gente precisa sair, conhecer pessoas, desenvolver relacionamentos. Temos de nos arriscar, conhecer pessoas e ver por nós mesmos o que nos serve ou não.

Um outro aspecto errado desse tipo de conselho é essa história de haver uma pessoa certa. Dá a impressão de que existe alguém perfeito para nós. Isso é irreal. Não existe uma pessoa certa e, quando convivemos com alguém, podemos ver que ninguém é desprovido de defeitos e toda convivência é cheia de atritos. Viver exige que saibamos conviver com os defeitos dos outros, até porque todos nós temos um monte de defeitos. E encontrar uma pessoa com a qual queiramos desenvolver um relacionamento envolve cometer erros, arriscar-se a ter decepções. Em suma, teremos de correr o risco de levar várias topadas. Podia ser que mãe me desse tal conselho porque não queria que eu me decepcionasse, acontece que, para que nós nos tornemos fortes e sejamos capazes de saber o que nos serve, precisamos viver a vida, relacionarmo-nos com os mais diversos tipos de pessoas até porque nossos pais não estarão sempre aqui para nos guiar. Muitos pais não deixam os filhos correr riscos dizendo que querem protegê-los de sofrer, só que essa maneira de agir deixará os filhos imaturos e despreparados para enfrentas os problemas da vida.

Um ponto a analisar na história de se orar para Deus mandar uma pessoa certa para nós é que tal conselho sugere que todos nós já temos um destino traçado e isso entra em confronto com a ideia de que temos livre arbítrio para decidir o nosso destino. Quer dizer então que, ao nascermos, tudo já está predeterminado? Com certeza, não há uma resposta satisfatória para esta questão, mas isto não quer dizer que devamos deixar de questionar. Caso Deus tenha decidido de antemão se vamos ou não casar ou quem será nosso parceiro amoroso ou que profissão iremos exercer isto só quer dizer uma coisa: que não somos verdadeiramente livres e, portanto, não seríamos responsáveis por nossos atos visto que tudo já estaria prescrito. Como vemos, nenhuma religião nos dá as respostas que vivemos a buscar. E quanto a se orar para que Deus nos mande alguém nos leva a perguntar: existe mesmo uma alma gêmea que nos estaria destinada? Isso é algo que nunca saberemos. Pode alguém combinar tão perfeitamente conosco? Sabemos bem que a convivência entre pessoas pode ser desgastante. Para que um namoro e um casamento consigam ir adiante, as duas partes têm que estar dispostas a ceder, aprender a ouvir, a ser menos egoístas mas também é necessário que cada um cultive sua própria individualidade.

Devemos analisar todos esses aspectos para saber conduzir as nossas vidas. Este texto não pretende responder a perguntas, mas sim levantar questionamentos, principalmente porque ninguém sabe a verdade. Então, todos nós deveríamos, em vez de ouvir quem fala como se soubesse a verdade, usar nossa razão e analisar o que nos dizem. Nada de esperar que Deus esteja disposto a resolver nossos problemas ou nos dê o que desejamos como se fosse um presente. Cabe a nós mesmos ir em busca do que queremos e temos que estar preparados para o fato de que cometer erros será inevitável. E, se cometermos erros, usemo-nos para aprender a tomar decisões melhores a partir do momento em que percebemos que tal caminho ou tal pessoa não era o melhor para nós.