uma fotografia em um dia de outono
achei uma fotografia nossa, meu antigo amor. somos nós, tão jovens, quando acreditávamos que o amor bastaria para nos fazer felizes. nós estávamos da casa do nosso amigo boêmio, num desses dias em que nos reunimos para falar de amor e poesia – era um dia de outono, eu me lembro, porque você dizia que combinava comigo. no registro estamos de costa, sentados no piano, enquanto você toca as teclas e eu apoio a minha cabeça na em seu ombro. eu estava com o suéter bege que você me deu de aniversário e meu all star vermelho, enquanto você estava com a camisa azul que eu tanto amava te ver vestido.
somos um belo contraste, em uma pintura que desbota com o tempo – ou talvez eu enxergue dessa forma após tantos anos.
olhando essa foto eu sinto um saudosismo que não cabe no peito.
e reflito enquanto rabisco essas linhas que ainda não sei se eu dedico a você ou a mim mesma.
ou as nossas versões do futuro – porque nossas versões jovens estão imortalizadas nessa fotografia.
as melhores coisas demoram anos para acabar, mesmo depois do fim.
é necessário muito tempo até que nada seja realmente sentido.
e na grande parte das vezes, se algo for realmente grande, nem mesmo uma vida inteira consegue apagar tudo que foi vivido. e se alguém sabe qual é essa sensação, somos nós dois. você e eu sabemos o quão desafiador é estar dentro dessa encruzilhada. sabemos como é estranho está tão imerso em uma vida mesmo longe dela. sabemos como é vazio quando um elo tão bonito como o nosso é quebrado. sabemos como é difícil acordar no modo repeat de um dia triste em que a pessoa amada não está ao nosso lado. assim como sabemos que dessa saudade desafiadora que volta e meia bate a porta há o perigo de que a insistência para que a deixemos entrar resulte em uma bagunça na cabeça e uma recaída – que não fará a bem a ninguém.
acontece que o tempo acaba ruindo todas as razões de o porquê o outro foi embora e a solidão só traz as boas memórias. acontece que a gente acaba esquecendo, não é? esquece que às vezes a melhor decisão é deixar quem amamos livre para ser feliz, mesmo que longe da gente. como eu queria que as coisas boas não fizessem morada tão permanente. mas o pior é que elas nunca somem de verdade, mesmo que a gente esqueça dela alguns dias, quiçá anos, se tiver sorte.
mas quem eu quero enganar, pois se tem uma coisa que eu sei é que, em algum momento, a gente percebe que tudo, ou uma parte ainda vive. e que o fim, na verdade, nuca foi o fim de nada.
não existe final quando se trata de você e de mim.
mesmo que estejamos separados, eu permaneço em você, assim como você em mim.
pulsando na mesma frequência.
como um looping eterno, onde eu vou vivendo a minha vida, seguindo em frente, sendo feliz e tendo novos amores. achando que finalmente consegui me desprender daquilo que vivi contigo. procurando não pensar em você, lutando contra tudo que arrasta de volta para ti. mas, quando menos se espera, em que estou distraída, eu encontro o seu olhar em meio a um dia qualquer de outono e tudo volta a ser como antes, me atingindo em cheio. todos os sentimentos e sensações retornam em minha mente e corpo ainda mais forte do que da primeira vez.
isso acontece quando o final não é o fim, quando ele insiste em ser presente. quando o sentimento é mais forte que o tempo ou mais doloroso do que a ausência. quando nem a distância diminui o amor. quando os únicos sentimentos que restam são a saudade do que passou e o medo de nunca mais ter o que se teve um dia. é nesse momento que eu percebo que as melhores coisas realmente demoram anos para acabar, mesmo depois do fim.
você também sente isso, meu antigo amor, que mesmo nós dois sendo temporários, o amor dura até depois do nosso fim?