em algumas coisas você está
por mais que eu queira acreditar que consigo te esquecer, é difícil te deixar ir de mim.
por mais que eu queira acreditar que você não está em tudo, em algumas coisas você está.
sabe, por muitas vezes eu acho que te superei. Mas, aí eu logo sou lembrado que é impossível alguém esquecer você após te conhecer. Eu consigo fingir que não me lembro de você até esbarrar em alguma memória que construímos pelas ruas da cidade. até ver um par de all star amarelo perambulando no parque em que tantas vezes te encontrei. até sentir algum cheiro que me recorde o seu doce e inebriante perfume. até passar em frente a cafeteria em que você amava tomar um capuchino e ler teu livro de poesias preferido. até escutar alguma música na rádio e, automaticamente, sentir o som da tua risada dizendo: “essa é a minha música favorita” e me puxar para dançar – mesmo eu não sabendo fazer isso. até cantarolar baixinho enquanto trabalho a música que você dizia lembrava de mim quando estávamos longe.
bem, por mais que eu queira acreditar que você não está em tudo, em algumas coisas você ainda está. como da primeira vez.
me pergunto como funciona para as outras pessoas o processo de esquecer alguém, porque eu claramente não estou sendo bem sucedido nesse quesito. Lembranças costumam fazer morada na minha mente. me pergunto se elas choram quando voltam aos mesmos lugares nos quais costumavam ser felizes, como eu, que chorei na mesa do nosso restaurante favorito. eu queria aprender a apenas balançar a cabeça, em sinal de resignação ou respeito pelo fim ali decretado de todo o que eu imaginei que viveríamos, pelo fim imutável de um nós dois que não existe mais, mas eu não sei se consigo. eu sei que nunca mais aquele restaurante, aquela festa, aquela série, aquele doce, aquele livro, aquela música será a mesma. porque tudo aquilo que você tocou está maculado de ti. as coisas possuem outro gosto e sentido quando se misturam à palavra ruptura. nem nós somos os mesmos depois que o fim nos atravessa como um cometa, incendiando tudo ao passar.
assim, eu me pergunto quando é que eu vou deixar de te ver em todos os lugares em que ando. eu atravesso a rua e vejo um cabelo dourado balançando e penso que é você. ouço sua risada na fila do cinema. sinto sua presença na praia, pois você ama o mar como se fosse teu verdadeiro lar. eu evito escrever textos para não te recriar como a heroína da minha história.
e não me leve a mal, eu não tenho nada contra você. isso sou eu tentando seguir a minha vida, sem olhar para trás, sem ficar preso a um fantasma, paralisado nas páginas rasgadas do passado.
eu quero olhar para os lugares e me reconhecer neles, como parte integrante dessas memórias. eu quero entrar na minha casa e não procurar os seus olhos. eu quero abrir um vinho e pedir uma pizza às sextas-feiras e não sentir que esse ritual pertencia a nós. pois não há um “nós” agora. só há apenas “eu” e ser eu, hoje, depende de uma distância considerável de tudo aquilo que eu pensei que eu era quando estava contigo. então não me odeie por encaixotar tudo o que pertencia você, no meu lar e no meu coração.
ainda assim, aos pouquinhos, eu vou te deixando para trás.
eu vou me deixando também, a versão que eu criei só para você.
eu vou substituindo as suas marcas pelas minhas em tudo o que você tocou.
eu vou te vendo ficar para trás junto com as ruas por onde andamos e costumávamos ser felizes.
eu vou me permitindo ser feliz, de novo, aqui.
eu vou aprendendo a pegar a alegria com as próprias mãos e dançar com ela, fazê-la minha, agora sem precisar do outro para isso.
eu vou sendo eu, sem você.