A dor que não sentimos

Não é porque não dói em nós que não é real. Não é porque não sentimos na nossa própria pele que o outro está mentindo, inventando, dramatizando ou querendo chamar a atenção. Não é porque a minha realidade é tão plena e satisfatória, por mais estranho que isso pareça, que a realidade de todo o restante do mundo é igualmente equilibrada e completa. Somos pessoas distintas. Seres humanos singulares. Possuímos o nosso próprio universo apesar de compartilharmos do mesmo tempo e espaço. Somos únicos. As marcas em nossos dedos somente nós possuímos. De maneira que passamos por situações parecidas, talvez as mesmas, mas a forma como as interpretamos difere e nos trazem sentimentos igualmente opostos.

Dito isso, não podemos desmerecer a luta das outras pessoas. Não temos o direito de apontar o dedo para elas e dizer pelo que devem ou não lutar ou chorar. Todos temos uma causa própria. Todos temos um objetivo próprio. De forma que todos teremos lutas apenas nossas que precisarão ser enfrentadas para que possamos ter uma boa experiência por essa existência. Se o machucado do seu vizinho não doeria em você, ao menos fique quieto se não puder ajudá-lo a aliviar aquela ferida. Se as palavras que você tem a compartilhar só serviriam para intensificar a ardência, é melhor que se afaste e deixe o outro em paz.

Mas acho que podemos fazer mais do que simplesmente cruzarmos os braços e deixarmos que cada um viva a sua dor. Acho que, se nossa ajuda for bem recebida, temos muito a fazer por quem estiver lamentando pelas dores da vida. Não acho que, de tudo o que poderíamos fazer, só nos reste intensificar o sofrimento da outra pessoa. Seria medíocre da nossa parte. Nenhum pouco humano. Podemos olhar para os nossos semelhantes e aliviar as suas lágrimas. Podemos olhar para quem está agonizando e oferecer-lhe o nosso tempo e afeto. Tem muita gente por aí precisando de apenas uma coisa – alguém que perceba a sua existência.

Podemos fazer isso? Podemos deixar de lado aquele egoísmo que nos leva a pensar que somos os mais injustiçados do mundo e que o restante da humanidade exagera em suas lamentações? Ainda que estejamos nos sentindo o pó do mundo, é bem provável que exista alguém em condição ainda pior. Porque cada um de nós tem uma luta a enfrentar. A sua é árdua. A do outro também. A sua pode ser perigosa e assustadora, mas a do outro também o é. Por isso, entenda que a dor do outro, só porque não é sentida por você, não deixa de ser real. Ela existe. E causa angústia. Se todos nos olhássemos por esse viés, talvez tivéssemos um pouco mais de compaixão uns pelos outros.

(Texto de @Amilton.Jnior)