Uma Fenda no Tempo
Todos os dias nos últimos três meses, ela passa em frente ao lugar onde trocaram o primeiro beijo.
Todos os dias, ela vê a cena nitidamente em sua cabeça, com todos os detalhes daquela noite de 12 de julho de 2018. Às vezes seus olhos denunciam que houve Amor ali naquele local.
Ela vê... ele tentando pegar na mão dela, e ela se sentindo estranha durante todo o trajeto até a estação Consolação, afinal, quem era ele para pegar na mão dela? Um desconhecido até então.
Vê os dois chegando desengonçados a estação Consolação sem saber se andavam ou paravam na esteira. Decidiram parar na esteira e conversar sobre amenidades, ambos com um sorrisinho leve no canto do rosto, indicando promessas de um beijo que ela esperava acontecer no escuro do cinema, longe de todos os olhares curiosos e julgadores.
Ela vê o metro partindo cheio de gente, preferiram esperar o próximo. Se aproximam da entrada que indica o vagão especial para bicicletas... ela ficou de um lado e ele do outro. Ela tentava manter uma distância segura dele, se sentia nervosa.
Ela vê... ele se aproximando devagar, e o tempo entre um trem e outro pareceu eterno, pois o trem não chegava.
Em um milésimo de segundo, sem que ela percebesse, ele a puxou delicadamente pela cintura e a beijou. Falou com delicadeza: "Vem aqui..." enquanto ela tomava consciência da mão firme dele a envolvendo como um abraço.
Aquele abraço é como estar em casa.
Ela revive aquele beijo, e pode sentir cada sensação como se fosse a primeira vez. Um beijo firme, macio e quente... com o encaixe perfeito. Inesperado, mas familiar, como o reencontro de duas almas que estavam se buscando há tempos.
O Tempo parou ali. Ela não se lembra das pessoas que estavam ao redor. Devia ter pessoas ao redor, mas ali, só havia os dois congelados naquele momento, para sempre.
Mal sabia ela, que aquele beijo, seria a razão da sua maior felicidade, mas que também a levaria a sentir uma dor que jamais sentiu na vida.
Hoje, ela continua passando na frente daquele lugar mágico, e todos os dias ela vê a maior história de amor que já viveu, presa naquele lugar, e quando passa por lá, o Tempo passa devagar, quase parando... como se quisesse que ela entrasse naquela fenda, e ficasse ali para sempre.
Na maioria dos dias, voltar àquele lugar, naquele momento do Tempo, é tudo o que ela quer. Ficar ali pra sempre, naquela Fenda do Tempo onde ela sentiu nascer o Amor.
Mas ela segue em frente.
Às vezes com lágrimas por deixar para trás aquele momento.
Às vezes com raiva por ter se deixado amar.
Às vezes ela só passa...
Mas na maioria das vezes, a Fenda a puxa de volta e ela revive infinitamente aquele momento, como se todos os dias fossem 12 de Julho. Porque isso é a única coisa que resta a ela, a lembrança presa na Fenda.