“MÃE É AMOR” CUIDA-SE DE PLEONASMO OU LICENÇA POÉTICA?

Jonas Sales

 

Adianta-se a conclusão do autor: dizer “mãe é amor” é cometer crime de pleonasmo desculpável somente pela pertinência temática.

 

Não acredita? Passemos à comprovação.

 

Comecemos com o auxílio do “pai dos burros”, o dicionário da língua portuguesa, e coloquemos lupa nos termos aqui envolvidos:

 

• Amor: sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem.

• Mãe: mulher que deu à luz a um ou mais filhos. Fonte, origem.

• Pleonasmo: redundância de termos.

• Licença poética: permissão para se falar ou expressar sem culpa em determinado campo.

 

Não soa como ler ou escutar “sair para fora” e “entrar para dentro” (mas estes não têm as mencionadas escusas poéticas)?

 

Ora, isso acontece porque mãe é ser umbilicalmente ligado ao amor, e isto de tal maneira que um termo pode ser trocado pelo outro em vários campos do conhecimento e não se perde a semântica (muito ao revés: aumenta-se!).

 

Vamos a alguns exemplos do que ora se afirma (e adiante se prova):

 

a) na teologia (Bíblia Sagrada):

 

Percebamos como as Escrituras Sagradas, o livro mais lido no mundo ao longo da história , fala de amor como que a parecer falar de mãe em sua relação com os filhos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Amor (mãe) tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.

 

b) na filosofia de Aristóteles (amor na relação mãe e filho):

“Amor (mãe) é composto de uma única alma habitando dois corpos”.

 

Agora releia trocando as palavras “amor” por “mãe”. Igual sentido, não é?

 

b) na poesia:

 

No que diz respeito à poesia, ciência primeira, porque intuitiva, observemos que, como que a dialogar com o escrito bíblico acima reproduzido, a poetisa Cora Coralina traz à baila o poema “Mãe é quem fica”:

 

Depois que todos vão.

Depois que a luz apaga.

Depois que todos dormem.

Mãe, é quem fica.

 

Às vezes, não fica em presença física.

Mas mãe, sempre fica.

 

Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver.

Uma parte, sempre fica.

Fica neles.

Se eles comeram.

Se dormiram na hora certa.

Se brincaram como deveriam.

Se a professora da escola é gentil.

Se o amiguinho parou de bater.

Se o pai lembrou de dar o remédio.

Mãe fica.

 

Fica entalada no escorregador do espaço Kids para brincar com a cria.

Fica espremida no canto da cama de madrugada para se certificar que a tosse melhorou.

Fica com o resto da comida do filho para não perder mais tempo cozinhando.

 

É quando a gente fica, que nasce a MÃE.

Na presença inteira.

No olhar atento.

Nos braços que embalam.

No colo que acolhe.

Mãe, é quem fica.

 

Quando o chão some sob os pés.

Quando todo mundo vai embora.

Quando as certezas se desfazem.

Mãe fica.

 

Mãe é a teimosia do amor, que insiste em permanecer e ocupar todos os cantos.

É caminho de cura.

 

Nada jamais será mais transformador do que amar um filho.

E nada jamais será mais fortalecedor que ser amado por uma mãe.

 

É porque a mãe fica, que o filho vai.

E no filho que vai, sempre fica um pouco da mãe:

Em um jeito peculiar de dobrar as roupas.

Na mania de empilhar a louça só no lado esquerdo da pia.

No hábito de sempre avisar que está entrando no banho.

Na compaixão pelos outros.

No olhar sensível.

Na força pra lutar.

No coração do filho, MÃE FICA.

 

Apenas em reforço, o itabirano Carlos Drummond de Andrade comprova, à toda evidência, o que se está a sustentar:

 

(...) Amor (Mãe) é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor (Mãe) foge a dicionários

e a regulamentos vários.

 

c) no direito.

 

A Constituição da Colômbia (1991) chega quase a afirmar que há pleonasmo entre amor e mãe, e deixa registrado que é direito fundamental dos filhos, dentre outros, o cuidado e o amor (a mãe). Vejamos:

 

CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE COLOMBIA 1991

Artículo 44. Son derechos fundamentales de los niños: la vida, la integridad física, la salud y la seguridad social, la alimentación equilibrada, su nombre y nacionalidad, tener una familia y no ser separados de ella, el cuidado y amor, la educación y la cultura (...) (negritou-se)

 

No Brasil, também não é preciso ir longe nos estudos:

 

1- (...) não se pode impor a alguém o dever de se manter vinculado a uma relação de paternidade-filiação não-biológica quando não pretenda dispender amor e afeto às filhas, desde que, é claro, a sua manifestação de vontade, quando da declaração de nascimento, tenha sido lastreada em erro ou falsidade (art. 1.604 do CC/02). (negritou-se)

 

Em arremate, portanto: mãe é amor constitui-se em pleonasmo consentido pela licença poética e, principalmente, pelo fato de que mãe é a provação de que a criatura pode superar o Criador.

 

Jonas Sales
Enviado por Jonas Sales em 08/05/2022
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