"A risada de Mozart"
Para além de tudo o que foi escrito sobre o riso, como, por exemplo, uma espécie de catarse no alívio da tensão provocada pelo superego na tentativa de reprimir a irrupção dos impulsos do Id no Ego, o riso também é o alívio da tensão de se levar tão a sério, isto é, o negativo da negada (conscientemente) dialética do saber pelo negativo necessariamente posta perante o indivíduo no seu esforço de uno reafirma-se. A positiva produto de um esforço conceitual é devedora da negativa suprimida nas coisas, não só dadas, como necessárias à sua própria subsistência e reafirmação, isto é, ser que por o ser é dotado de liberdade, liberdade esta que entra em confronto com a mímesis, que por suplantar a liberdade, ela (a natureza) a devolve como um verbete de nossa descontinuidade, heterogeneidade e que tais atributos de identidade com ela partilhamos. O sistema por si só pede para não ser validado, pois a ânsia de um sistema conceitualmente irrefutável em sua coerência interna é a reafirmação de si como distante de tudo aquilo que a circunda, ou por outra, a vida e tudo o que a ela pertence. A liberdade da natureza é ininterrupta em sua afirmação como contingente à qualquer tentativa de enquadramento teórico. Não há necessidade de olhar a história da ciência para dessa afirmação observarmos a sua veracidade (nem da análise das revoluções científicas pela disrupção de um determinado paradigma vigente _ T. Kuhn), basta apenas percebermos que se toda ela nos fosse compreendida, nada nos afetaria de forma prejudicial, assim como muito provavelmente, nada nos faltaria (ao menos em termos objetivos/materialista). O indivíduo que não nega a sua própria identidade em riso dela nada a compreende. A negativa trás a um determinado sistema a sua própria identidade como um, em outros termos, uma tentativa teórica/conceitual de esquematização que visa elucidar um determinado (ou conjunto de) problema (s) filosófico (s) que tange (ou pertence a) uma determinada dimensão da vida humana (ou em todas as suas dimensões) deve por definição ser dotada de liberdade. O esforço de completude na conceituação só denuncia a impotência de quem a pratica frente ao real conjuntamente com o seu desconhecimento dela. Reafirmar a vida em todas as suas dimensões não é se abster de qualquer julgamento frente a ela, mas sim reafirmar-se frente a face do contingente, daquilo que escapa a conceituação, a dimensão do dito no não dito e isto para além da semântica, mas inerente a sua própria estruturação lógica, assim como nós e a natureza, a natureza e a linguagem, nós e a linguagem. O não-idêntico faz parte da constituição da natureza na medida em que o contingente não é imbuído de propósito (fim) por ser constituído de n variáveis estranhas que lhe confere o caráter de natural e faz jus a sua conceituação (que sempre é do real ao teórico, daí a operação de abstração) como tal. Mas sendo o elemento do não-idêntico esperado, não significa, por sua vez, que isto lhe confira um caráter de determinação, isto é, uma positiva, para isso se faz necessário saber de quem estamos falando e isto é justamente a contraparte dele. O não-idêntico é indefinível, mas esperado, por conseguinte, um saber que não se sabe. E isto é justamente a dimensão intrínseca à conceituação-linguística da filosofia, a certeza de que a concretização de uma conceituação unívoca se dar pelo uníssono de uma sinfonia produzida mediante a representação, que não só se esbarra na limitação inerente a nossa constituição, mas também no próprio objeto que engendramos estudar e na (s) fundamentação (s) que decidimos pôr em mão (s). Enveredamos neste caminho teórico/abstrato para nos livrarmos do fato que tanto nos aflinge, a dimensão real da angústia que nos assola, isto é, a consciência de que somos seres para a morte. Mas que tomamos e façamos da filosofia partes separadas de um todo com suas respectivas premissas e elementos dados, ou postos pelo autor e rearranjados em um todo coeso, isto nada a mais será que uma pequena parte de um membro se autoproclamando corpo; a coesão interna não representa nada de forma direta com aquilo que julga analisar, apenas o elemento do não-idêntico indica que se está relacionando com o objeto, isto é, relacionando. E mesmo assim o não-idêntico há de bater na porta, ou nem há de bater, pois não haverá mais porta. O não-idêntico não é apenas a antítese em um processo dialético, o não-idêntico por em tudo se encontrar está também como negação daquilo tudo e mesmo não sendo o todo, estando em tudo como ele mesmo (indefinível como sujeito com seu (s) respectivo predicado) é por definição o mais próximo de um todo (somatória de negações-distintas que se rearmonizam em um não-nome, isto é, uma não-positiva); um todo, pois não é o todo como a entendemos. O não-idêntico é desprovido de significante e é justamente esta característica que lhe possibilita previamente adentrar em qualquer espaço-conceitual, que por ter uma estruturação-conceitual previamente fundamentada em um conjunto de operadores lógicos em um determinado arranjo (premissas) possibilita que desta positiva se faça uma negação (crítica). Apenas aquele que não tem positiva é que não pode ser barrado por nenhuma delas, mas esta não pode se tornar uma e nisto reside a sabedoria do cético, quando dele próprio duvida; o cético por definição duvida de seu ceticismo. Contudo, o não-idêntico não possui sujeito, é a priori um algum (já que é genericamente e previamente dado frente a toda e qualquer possível conceituação) em um campo morfológico de possibilidades, portanto, não pode ele ter uma definição, logo, significante (aquilo que é determinante _ como o determinante de uma matriz _ na significação do significado). O conjunto de premissas em um sistema filosófico pode ser reduzido (e em grande parte o é) a uma síntese, esta síntese pode ser uma sentença, isto é, uma frase, ou uma palavra (como a coragem na filosofia de Nietzsche) e em ambos os casos esta será a "chave hermenêutica" desta filosofia, o significante, o determinante da matriz filosófica. Entretanto, o não-idêntico por não ter significante é aquilo que previamente fundamenta toda e qualquer filosofia. Assim sendo, toda e qualquer filosofia é devedora até antes mesmo de existir da sua negação. Por sua vez, esta negação dela não podia fazer parte antes da sua existência se a ela não pertencesse como uma realidade previamente dada a toda e qualquer tentativa de teorização, por conseguinte, o não-idêntico deve existir não só como uma realidade mental potencial produto das falhas de um raciocínio, mas como uma realidade formal-protolinguística e efetiva (por fundamentar todo esquema que existe, incluindo o da natureza, tem com elas uma relação de identidade e, portanto, escapa do domínio do aparato psíquico). Ele está para o campo morfológico de possibilidades assim como a antítese está para a tese. Destarte, rir é estar de acordo com toda a dimensão humana.