Nós nos perdemos da nossa espontaneidade
Espontaneidade. Essa palavrinha – ou seria palavrão? – vem do latim “sponte” e quer dizer algo relativo à nossa própria vontade – agir, pensar, enfim, existir a partir da nossa vontade. Erich Fromm, em seu livro O Medo à Liberdade, diz que nós nos perdemos ao longo da nossa vida da capacidade de sermos espontâneos, ou seja, de agirmos ao nosso próprio governo, porque acabamos modificados, conforme o tempo passa, pelas convenções e determinações que nos rodeiam a partir da sociedade na qual estamos inseridos. O autor traz dois exemplos de pessoas que, por algum momento, ainda agem de acordo a si próprios: as crianças, que a partir da sua espontaneidade, fazem perguntas “proibidas”, expressam sentimentos e emoções “inadequados” e demonstram comportamentos “inaceitáveis” com uma naturalidade que incomoda sujeitos aprisionados a uma falsa liberdade que pensam possuir. O outro exemplo são os artistas de sucesso que, ao conseguirem vender sua arte, composta pelo resultado de seus pensamentos e traçados, são admirados pela espontaneidade de sua criação – mas o autor diz que aqui há uma ressalva: o artista espontâneo que não obtém sucesso, é tido como excêntrico ou neurótico.
O que quero ressaltar aqui é que, ao nos perdemos da nossa espontaneidade, da nossa capacidade de pensarmos por nós mesmos e agirmos a partir de nós mesmos, a gente acaba absorto em uma realidade que não foi construída por nós, mas por alguém a quem interessa que vivamos a partir de sua própria vontade. Com o passar dos anos, ao longo da história da humanidade, a Igreja perdeu seu poderio, o Estado perdeu a sua tirania, e nós nos consideramos como livres de amarras – é o que nos assegura a Democracia. Mas a verdade é que a gente faz coisas pensando que queremos fazê-las, não percebendo que essas vontades foram inculcadas em nós a partir das convenções, das propagandas, enfim, das sutilezas através das quais somos moldados para pensarmos que somos livres enquanto que, na realidade, vivemos uma falsa liberdade.
A gente precisa resgatar a nossa capacidade de pensar por nós mesmos. A gente precisa se reencontrar com a nossa capacidade de tomar decisões pautados em nossos próprios objetivos. A gente precisa entender que muito do que pensamos querer ou gostar foi, na realidade, implantado em nós. Não. Nenhum alienígena invadiu o nosso sonho e nos tornou alheios à nossa realidade. Nem um chip secreto foi conectado em nosso cérebro quando do nosso nascimento. As coisas vão acontecendo conforme vamos crescendo. A gente aprende que determinadas emoções, como medo ou raiva, não podem ser sentidas. A gente aprende que não podemos nos afastar das pessoas e que precisamos fingir nossos sentimentos em relação a elas. A gente aprende que, para sermos amados e aceitos, precisamos fazer exatamente o que querem que façamos.
Não estou aqui dizendo para que sejamos grosseiros, inconsequentes ou inadequados. Não estou dizendo para que olhe para as pessoas e diga, sem nenhum pudor ou respeito, o que bem vier à sua mente. Mas pare um pouco e pense: as situações as quais você se submete apenas para agradar valem o esforço? Até que ponto estamos realmente dispostos a acreditarmos em uma “pseudoliberdade”. Ao ponto de nos esquecermos de quem somos ou do que queremos? Isso é muito perigoso. Podemos acabar afogados em um mar de desinteresse, desmotivação e marasmo.
Que possamos ser mais autênticos. Espontâneos. Não precisamos ser mal educados, inconvenientes ou indelicados. A gente só precisa respeitar os nossos limites. Precisamos entrar em contato com o que sentimos e pensamos. Precisamos reconhecer o que é verdadeiramente nosso e o que foi colocado dentro de nós. Precisamos olhar para aquilo que chamam de liberdade e nos questionar sobre até que ponto nos permitem sermos livres. Essa é a questão. Disseram que somos livres, mas se esqueceram de nos contar qual é a definição que dão à liberdade.
(Texto de @Amilton.Jnior)