A vida não é uma competição
Eu disse na última edição do “Momento da Reflexão” que vivemos dentro de uma sociedade controlada por um capitalismo selvagem. E, sim. Eu acredito mesmo nisso. Se alguém me perguntar qual sistema econômico penso ser o melhor para o mundo, digo, convictamente, que não tenho essa resposta, não sou economista, mas sei que o sistema no qual vivemos trucidou a nossa humanidade. E digo isso porque ele nos coloca em uma lógica irracional de competitividade. De maneira que não vivemos com qualidade, a gente vive por quantidade. Porém não é no sentido de ter mais hoje do que tive ontem. Talvez nesse também. Mas é diretamente ligado ao sentido de ter mais, ser mais, colecionar mais do que você. E isso acabou tão impregnado que mesmo as coisas que não deveriam funcionar por uma lógica econômica, como amor e felicidade, acabam se contaminando por isso. Você vive um lindo amor? Preciso mostrar que o meu é mais intenso. Você sente orgulho pelo desempenho escolar de seus filhos? Então devo pressionar os meus filhos a alcançarem êxitos muito maiores do que os seus. E assim a gente vai se enlouquecendo. A gente vai se esvaziando da nossa humanidade, vivendo ilusões. E vamos nos transformando em verdadeiros autômatos que vivem para competir e não para existir. Mas basta! Estamos desperdiçando a oportunidade do viver. A vida não é uma competição.
O que acontece é que a vida perde o sentido. Não estamos mais preocupados em criar conexões verdadeiras, em construir amores sólidos, em manter relações concretas. Não estamos nem mesmo preocupados com o nosso próprio crescimento. A coisa tem estado num nível tão caótico que as pessoas fingem viver, mas não percebem. Por exemplo, há seres humanos que buscam ler centenas de livros ao ano, apenas para postar e dizer o quanto são dedicados ao intelecto. Pergunte a eles o nome do primeiro livro lido... Muitos passaram os olhos pelas páginas sedentos pelo próximo volume apenas para aumentar o número dos lidos. Só que não absorveram coisa alguma. Adquiriram nenhum conhecimento. Apenas estão mais vaidosos pensando que são mais porque alcançaram o cem. Enquanto isso, alguém que leu “apenas” vinte em seu próprio ritmo, no seu próprio tempo, pode ter aprendido infinitamente mais do que teria aprendido lendo centenas de livros superficialmente, apenas para bater o recorde, apenas para se exibir.
É isso o que tem acontecido. Nessa ânsia por nos exibirmos e mostrarmos que a nossa vida é melhor que a vida dos outros, não percebemos o vazio de nossas histórias, a mediocridade da nossa existência, o destempero da nossa presença. Podemos ser considerados como aquilo a que se chama “peso-morto”.
Então interrompa esse ciclo de competição na sua vida. É inútil buscar ser melhor do que as outras pessoas porque cada um de nós teremos a nossa própria singularidade, de maneira que o sucesso do outro não deve ser uma métrica para o meu sucesso. Eu detesto futebol. Mas amo literatura. Seria justo que eu comparasse o meu êxito na vida me comparando ao Neymar ou à Martha? Mas também não posso me comparar, dentro da área onde me sinto mais à vontade, a nenhum Machado de Assis ou a nenhuma Clarice Lispector, porque foram autores maravilhosos, grandiosos em seu próprio tempo, espaço e existência. E eu sou eu. No meu próprio tempo, espaço e existência. Não faz sentido querer competir com o tempo, espaço e existência das outras pessoas. Elas podem ser vistas como inspiração, jamais como objetivo.
(Texto de @Amilton.Jnior)