Às poesias que não escrevi
Para onde foram as poesias que não escrevi?
Este texto é para as poesias que não escrevi. Então:
Às poesias que não escrevi,
Aquelas poesias que escrevo no pensamento quando estou vivendo algo, mas estou sem algo para anotar.
Para onde vão todas as coisas que não fazemos, todas as palavras que não dizemos, todos os atos que não consumamos, para onde vai a causa de tudo aquilo que interrompemos? Para onde vão as consequências de tudo o que não teve causa? O que acontece com tudo isso? Que injustiça não permitir que tudo isso venha ao mundo, como deveria ser (ou não-ser). É um quase, aquilo que está na ponta da língua, preso na garganta, a um passo. É um sacrilégio, uma heresia, uma transgressão. Não deixar fluir o que quer se expressar, e só o consegue por meio de mim, pois vem de mim. Por que frear tudo isso? Por que não deixar tudo sair e se manifestar, como ele mesmo quer? Por que não deixar ser, apenas? Não é necessário nada mais que isso, apenas deixar o caminho sem obstáculos. Desistir de colocar obstáculos.
Agora posso deixar as poesias saírem, agora sei que o papel não é o único lugar para o qual elas poderiam ir. As poesias que não saem no papel, saem no éter, e assim vão viajando, de mundo a mundo, de vácuo a universo, de céu a terra, de espaço, de vazio, de todo lugar ocupado a todo lugar desocupado. Ela vai para qualquer lugar. Ela vai para todos os lugares, e vem de todos os lugares. Ela não fica em lugar nenhum, e não é de lugar algum.
A todas as poesias que não escrevi: escrevi-as na mente, e dela saíram para passear mundo afora (a partir do mundo de dentro), e elas estão em cada manhã que nasce trazendo o orvalho, em cada raio de sol que repousa nos cabelos de um ser humano qualquer, em cada erva que sente e faz sentir o frescor da brisa, em cada brilho no olhar ao sorrir. Elas estão por aí. É por isso que às vezes vejo o mundo tão bonito, e, às vezes, tão melancólico. São as poesias que não escrevi. Elas acabam se escrevendo em mim, de volta, pelo mundo.