Sem destino, ao pôr do sol

Talvez a parte ruim de ser só é achar que tudo depende de mim quando na verdade tudo me independe. Quem eu quero enganar? Não há um controle.

Estou dirigindo sem destino, ao pôr do sol. Ao meu lado há algumas pessoas que não sei exatamente se quero levar. Na estrada deixei pessoas que não sei ao certo se quero deixar. Algumas eu quero levar, mas não quiseram entrar ou pediram pra descer e eu deixei, pois não estou no controle. Outras pediram para entrar e eu deixei, pois renunciei ao meu controle.

Há várias paradas nessa viagem e em cada uma me sinto perdendo alguém. Muitas pedem pra descer, muitas eu ofereço para levar. Raras as vezes acenam e me pedem uma carona. Muitas vezes eu quem aceno para elas a beira da estrada. Muitas também eu me ofereço para levar e em seguida peço para descer porque pesa, porque atrasa, porque apenas deveriam ser descartadas.

Confesso que não sou muito boa em limpar meu veículo. Há muitas velharias que eu não descarto porque sou acumuladora. Acumuladora de dores, indiferenças e desafetos. Por algum motivo me faço crer que um dia irei precisar daquela dor, daquela indiferença e daquele desafeto. Então os deixo comigo enquanto aceno para seus opostos a beira da estrada.

Confesso que são raras as vezes que eu lhes dou carona. Há uma resistência da minha parte em descartar o desconforto. Há uma resistência da minha parte em limpar os vidros, trocar a playlist e me doar ao meu próprio bem.

Há pessoas que me acometem como reggae ou samba, na mais pura subversão. Me envolvem num acorde que aos poucos me desferem diversos socos, pontapés que me fortalecem através de um desconforto quase conformista de que a dor está até no prazer e que tenho que senti-la para chegar ao seu fim. Essas pessoas me fazem insistir nesse desconforto, nessa dor, para compreender e resistir às coisas que nem sempre compreendo.

Há pessoas que me acometem como jazz. Nem sempre me envolvem pra falar a verdade. As vezes preciso limpar o parabrisa e levá-las junto com uma chuva iniciada ao por do sol e finalizada ao nascer. Normalmente partem com a noite e me deixam seguir só.

Há pessoas que me chegam como um funk ou um rap, logo como uma dança ou uma poesia de difícil proclamação, que apenas me deixam quando cessam por si só.

E há pessoas que me acometem com um silêncio. Normalmente elas são as indiferenças e os desafetos que insisto em carregar na esperança de ouvi-las. As aprisiono por medo de deixa-las na estrada e torná-las meras passageiras, machucadas, esquecidas e abandonadas. Prendo-as em mim e me deixo na estrada ao ceder meu lugar a esse silêncio, tornando a mim mesma a passageira machucada, esquecida, abandonada pelo meu próprio guia.

E a milhas e milhas de algum lugar, me percebo num escuro e num silêncio que não é meu. Me permito dar ré até resgatar a mim mesma e voltar a apreciar o nascer e morrer dos sóis e a minha própria noite. Me fecho nela e retorno a estrada, mais uma vez, só.