Pedaços

Somos compostos por pedaços. E cada pessoa que entra em nossa vida conquista algum desses pedaços. E nós também conquistamos os pedaços das outras pessoas. E estou falando de conquista porque esses pedaços não são dados espontaneamente, porque eles são partes de nós, e partes de nós podemos sentir, podemos sentir quando nos são arrancadas sem nenhuma autorização.

A gente não dá essas partes por livre vontade porque sabemos que um dia elas serão levadas embora. Elas serão tiradas de nós. Então as pessoas precisam conquistar. E elas conquistam. Como nós conquistamos. Mas não fazemos nenhum acordo. Não combinamos de que, quando partirem, as pessoas deixem esses pedaços conosco. Isso seria até mesmo impossível. Porque esses pedaços não são conquistados apenas. Eles são interiorizados. Passamos a fazer parte de alguém como alguém passa a fazer parte de nós.

Só que as relações, um dia, acabam. Se não acabarem em vida, serão na morte. Elas acabam. Mas também não nos preocupamos com isso porque não queremos que acabe, queremos que dure, que seja eterno, seja lá o que a eternidade queira dizer. Mas o fato é que, em algum momento, as pessoas que chegaram irão embora tal como nós um dia também partiremos. Só que nessa partida, às vezes em vida, às vezes na morte, levam consigo os pedaços de nós que conquistaram. E então dói. É por isso que os términos, as despedidas ou as partidas definitivas doem tanto. Porque algo de nós está sendo arrancado sem piedade. É o pedaço que conquistaram. A valiosa parte que nos pertencia, que passou a pertencer ao outro e que agora ele leva embora. Mas no outro também dói. Costumamos pensar que só dói em nós. Mas não é verdade. O outro também sofre, também lamenta, também sente dor. Porque um pedaço dele era nosso, foi conquistado por nós ao ponto de ser impossível de devolver, um pedaço que dele é arrancado sem a menor piedade.

Então é por isso que dói tanto amar. É por isso que nos sentimos como se sangrássemos quando aqueles que amamos partem de nossas histórias seja em vida ou na morte. Porque nossos pedaços estão sendo levados. Pedaços que jamais serão devolvidos. Pedaços dolorosos. O Pequeno Príncipe já dizia que “aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”. Pedaços serão levados. Pedaços serão deixados. E talvez a cura para a nossa dor sejam aqueles pedaços que conquistamos de quem amamos. Estaremos nele. E nele em nós. Isso porque, apesar de tudo, tenha o fim acontecido em vida ou na morte, houve um sentimento genuíno, caso contrário aqueles pedaços nunca seriam trocados. Os pedaços só são conquistados porque o amor foi a nossa arma. E durou enquanto pôde durar.

(Texto de @Amilton.Jnior)