Transformatura

Desde quando a criança que eu fui teve que morar no meu interior,

Desde quando tive que controlar os momentos que a minha criança pode ficar livre e tomar conta do meu exterior

Em alguns momentos é bem divertido ser adulto, me sinto mais forte para conquistar caminhos para a minha existência

A existência que foi ficando presa na medida em que a flexibilidade do meu corpo diminuía

Na medida que aprendi a pensar antes de falar sobre o que eu sentia, na medida que tentei imitar as pessoas, ou criar um personagem de mim mesmo para me sentir aceito, achando que era possível comprar o amor das pessoas com meu esforço de ser normal.

Há poucos dias recebi um papel dizendo que estou formado, mas não sei o que isso significa...

Me sinto transformado todos os dias, em constante mudança

Não faz muito tempo, recebi o título de TRANS, homem trans, isso também não me define

Na medida que crescemos, que nos tornamos adulto, criamos a necessidade de denominar tudo, de organizar tudo, complicar tudo e encaixotar tudo!

Ainda bem que frequentemente convivo com meus profes, mestres na imaginação, doutores em brincar, ensinam pelo abraço e sorriso e a remuneração afeta o coração...

Meus principais professores são crianças, me resgatam desse modelo engessado de ser adulto, não são altos, falam simples, suam de tanto brincar e não de ansiedade, choram quando caem ou precisam de acolhimento, preferem sentar no chão e vão cavoucar até encontrar a criança no meio dos adultos para brincar! Em todo abrir dos olhos há esperança e o tempo é medido diferente, viver é mais urgente!

Tive muitas profes adultas também, mas com algumas aprendi que os prazos não são o mais importante e servem para orientar e a trajetória mais importante é a vida e essa caminhada tem que ser leve, ativa e contemplativa de coisas simples, consegui ver nelas o que eu vejo nos olhos das crianças!

Esses olhos me lembram que sou só uma peça do quebra cabeça e apesar de ter diploma ou não todas são essenciais, fico feliz por aos poucos misturar o Serviço Social com a arte e me reconhecer como um TRANS sempre em Formação, Afetado, afetando, transformando e transformado todos os dias, em muitos lugares.

Foi maravilhoso ter a oportunidade de participar de uma solenidade, ouvir meu nome, estar com pessoas que também caminharam muito para chegar nesse dia, cada um atribuindo um significado diferente. Foi maravilhoso ouvir a música que tanto faz sentido nessa trajetória na universidade mas também da vida, compilando momentos essenciais para a formação do meu EU, de hoje, em processo do EU do futuro!

Tive a oportunidade de celebrar esse momento, com pessoas que amo muito, um momento preparado com muito carinho, com detalhes maravilhosos que marcam o coração, registrados em algumas fotos, mas não foi possível registrar o valor de se sentir reconhecido e amado por ser eu, por estar existindo no mais profundo do sentido!

Quem me encorajou a escrever isso foi um menino, que é meu parceiro há muitos anos e hoje tem quatro anos de idade vividos com muita intensidade! Desde seu nascimento ele vem me ensinando sobre a alegria de viver e a importância de externar os sentimentos. Tive a honra de receber ele na minha comemoração, ele estava focadíssimo em me encontrar e me entregar um presente com muita alegria! (Focou também nos canudinhos coloridos, já entendeu que a diversidade é muito importante!) Depois que foi embora, imagino que ele tenha reunido os elementos da festa do Tai (eu), balões, muitas pessoas, música, brigadeiro e ficou indignado por não ter cantado parabéns para mim, afinal com esses elementos só pode ser um aniversário, não é mesmo?! No dia seguinte ele foi lá e cantamos parabéns pra mim, completamos a festa com direito a bolinho e vela! Ele se sentiu realizado e eu também, afinal estávamos celebrando bem mais que uma formatura, era um momento de celebrar a vida, a transformatura constante de todos nós!