Invenções equivocadas

“Inventamos quem as outras pessoas são. E nos inventamos. E podemos ter imaginações bem feias e bem mesquinhas”.

A citação que abre o texto de hoje foi retirada do livro “Aristóteles e Dante Mergulham nas Águas do Mundo” e nos leva direto para uma das mais tristes verdades que há na nossa existência: pressupomos saber quem as outras pessoas são. E essa pressuposição, muitas vezes, é formulada a partir de contatos superficiais, de leituras feitas corriqueiramente, de recortes simples demais para que possam definir alguém por inteiro. A gente olha, mal pensa e já concluímos: este é assim, e este é do outro jeito.

E repetimos essa padrão constantemente sem nos darmos conta de que podemos estar ferindo alguém com o nosso julgamento apressado. Podemos concluir mal. Podemos imaginar equivocadamente quem as pessoas realmente são só por causa de traços que pensamos saber do que se tratam. A gente não se aproxima. A gente não se achega. A gente não permite que o outro se apresente e nos diga quem é, como é, do que gosta e o que deseja. A gente não permite que o outro possa se fazer conhecido. A gente tira do outro o direito que é dele, e somente dele, de dizer quem de fato é.

Mas a gente também se inventa. Por, em muitos momentos, não gostarmos daquilo que a gente vê no espelho (não apenas no sentido literal), a gente inventa ser algo que não é. Inventamos personalidades, inventamos gostos, inventamos desejos e inventamos sonhos. Apenas invenções. Nada dizem sobre nós, sobre o que queremos, o que almejamos ou como vemos a vida. Apenas invenções que servem de engano àqueles que nos rodeiam, que servem de proteção para que não vejam as “imperfeições” que supomos ter. Olha só a tal da suposição aí de novo! Supomos que não seremos aceitos. Supomos que irão rir de nós. Supomos que não somos adequados. E talvez estejamos certos. Talvez alguém não nos aceite, talvez não sejamos capazes de agradar a todos (o que seria petulância e ingenuidade pensar que conseguiríamos), talvez alguém dê risada da nossa existência. Mas, ao sermos mais nós mesmos e permitirmos que os outros também sejam eles mesmos, como já ensinava Carl Rogers, então talvez encontraremos alguém que nos aceite com nossas imperfeições e virtudes, que saberá valorizar as nossas tentativas de agradar e que, ao invés de rir de nós, rirá conosco dos momentos engraçados que a vida pode reservar. Quando inventamos coisas sobre nós e sobre as outras pessoas, invenções feias e mesquinhas, perdemos a oportunidade nos conhecer e conhecer a elas como de fato somos e são. E assim perdemos a chance de viver uma vida autenticamente feliz.

(Texto de @Amilton.Jnior)