Breve tratado crítico a respeito da filosofia moderna _ 2
Adorno escreve, ipsis litteris: (...) "A expressão do ser não é outra coisa senão o sentimento dessa aura, certamente sem um astro que lhe entregasse sua luz. Nessa aura, o momento da mediação é isolado e se torna com isso imediato. Assim como os polos sujeito e objeto, a mediação também não se deixa hipostasiar; ela só vigora em sua constelação. A mediação é mediada através daquilo que é mediado. Heidegger a tensiona até ela se tornar por assim dizer uma objetividade não-objetiva. Ele coloniza um reino intermediário imaginário entre a estupidez dos facta bruta e a tagarelice própria às visões de mundo. O conceito de ser que não quer dar voz a suas mediações transforma-se em algo desprovido de essência, aquilo como o que Aristóteles tinha percebido a ideia platônica, a essência par excellence; ele se transforma em repetição do ente." (...) Este equívoco de Heidegger, ou apenas, um petitio principii para excluir daí o ser ou a implicação do ser através do ente, por meio do fato em si, sem nada além dele, é uma premissa com a qual a sua filosofia é compartida, ou gerada, como uma base do seu sistema. E pode muito bem ser visto como uma das "chaves hermenêuticas". O ser não se dar apenas pela negativa ou estipulação de um absoluto adotado por uma semântica autossuficiente, a negativa do ser não é apenas o ente ou tudo aquilo que o ente pode não ser e por isso deve estar além, um absoluto provido de uma razão que não consegue pensar o seu melhor ou a razão que não o pode pensar, mas sim o fato de que o paralogismo da transformação do negativo, no qual não se pode reconduzir um dos momentos ao outro, em uma positiva não o é, isto é, a não-identidade não se dar apenas na identidade ou através dela, mas também a identidade através da não-identidade, por outra forma, a bicondicionalidade entre o ser e o ente é o Ser. Sem a necessidade de assumir que o conhecimento de que o “é” não é nenhum mero pensamento nem tampouco nenhum mero ente, que não permite a sua transfiguração em algo transcendente em relação a essas duas determinações. Mas sim que para além do conceito e ente há, por implicação supra-racional derivado da nossa insuficiência ontológica, o Ser por uma positiva derivado de tal experiência de reciprocidade que nos conduz a identidade, que é autossuficiente em-tudo-se, ou seja, o si. Porém, o "há" não é necessariamente espacial (há em algum lugar), tal experiência de razão vital nos conduz a acreditar que se assemelha mais a uma função, tal função do todo é uma Razão a conduzir tudo, daí utilizarmos o termo substância. Essa bicondicionalidade é paraconsistente, daí o "paradoxo" do nada e tudo. Mas é perversa tal interpretação, pois a metafísica clássica ou até mesmo a ontologia de Heidegger, talvez, em sua tremenda admiração à escolástica, não nos conduz a uma filosofia totalmente antipositivista e muito menos isto, e sim a uma filosofia vivencial ou da vita, vida aqui no seu sentido mais abrangente. Assim sendo, é a partir dessa experiência (num sentido mais próximo ao adotado na segunda definição do vocábulo empírico no app ("Dicionário Filosófico") da não necessidade da linguagem que se inscreve a alteridade, reconhecida por reciprocidade, no nosso ser. A irredutibilidade não é um nada, pois o irredutível é o absoluto e o absoluto não é o mesmo que nada, haja vista, que a questão não pode ser reduzida ao logos, ou por outra, ao conceito e também porque não temos apenas negativas a respeito do ser.
A ideia de liberdade na filosofia de Kant é incorporada à causalidade do mundo dos fenômenos que é incompatível com o seu conceito, por isso é paradoxal. Ele exprime esse fato através da proposição sobre os seres que não poderiam agir senão a partir da ideia de liberdade, seres cuja consciência subjetiva está presa a essa ideia. De outra forma, a liberdade para Kant consiste em não optar pelo correto, isto é, o dever. Em outros termos, negar o imperativo categórico seria sinônimo de uma ação livre, que só pode advir a partir de um sujeito dotado de liberdade, por outra forma, o sujeito cognoscente. Na sua revolta contra Kant os idealistas esqueceram o princípio que eles seguiram se opondo a ele: o fato da coerência do pensamento obrigar a construção de conceitos que não possuem nenhum representante em um dado positivamente determinável. O mundo empírico Kantiano está à parte da autonomia subjetiva, pois deve se submeter a categoria subjetiva da causalidade e aquilo que é determinado de maneira causal é ao mesmo tempo absolutamente contigente para o indivíduo. Por isso a contingência não é a figura do não-idêntico, como ponto fora da curva de um gráfico (regido pelo princípio da causalidade), ele o é ambos, isto é, o não-idêntico e o idêntico. A identidade se constitui a partir da identificação com um dos polos (que estão em imbricamento), ou nenhum deles, que é por definição a transcendência, já que esta dialética do todo é por definição ininteligível.