Música

A música te transporta para além de onde se gostaria de estar.

A passagem custa caro.

As notas se aglutinam numa imagem sonora a ser paulatinamente reproduzida na sua retina imaginária que mora na memória. Melodicamente as notas se transformam em formas que outrora difusas e dispersas em alguma esquina da mente embriagadas pelo esquecimento dormiam.

Despertar memórias embriagadas pelo esquecimento pode culminar em ressaca.

O refrão se constrói enquanto corrói tudo aquilo que antes sólido se consolidava, contudo o som se intensifica ao reproduzir mimeticamente a angústia daquilo que parece não ter fim, embora já se saiba o fim deste movimento:

Revivê-lo às custas do presente. Custa duas vidas. Sem desconto para o futuro.

Os sustenidos suspiram em sonoras sequências singelas sobre suspensas singularidades.

A métrica sonora se deteriora quando exposta às intempéries da memória. Pode-se acreditar na restauração de quadros já degradados sem terem recebido o cuidado prévio da necessária retocagem?

O último ato se desacortina e como um trago se desatina em formas abstratas aquilo que há instantes habitava concretamente a retina.

A última nota e então o sliêncio.

O silvo do desembarque.

Viagem longa. Corpo dolorido. Novamente.

Aquela música vai ficar mais uns bons anos sem ser reproduzida.

Custa caro. Até que se acredite que a próxima passagem esteja mais barata.