Chocolates, morangos e cerejas
Hoje quero convidá-lo para conversarmos um pouco sobre conflitos. Certa vez conversei com uma psicóloga especialista em terapia familiar e que também trabalha com resolução de conflitos e ela definiu que os conflitos se dão quando as necessidades de uma pessoa não são atendidas na sua relação com outra. E por que essas necessidades não são atendidas? Seriam coisas impossíveis demais para que outro ser humano concretizasse? Não exatamente. É verdade que existem aquelas pessoas que “viajam na maionese” e exigem dos que estão ao seu redor verdadeiros sacrifícios, ações sobre-humanas. Mas na maioria das vezes os conflitos se dão por coisas simples que não souberam ser comunicadas – ou seja, não souberam ser pedidas nem atendidas.
Logo, a melhor maneira para evitar ou mesmo resolver aqueles “embates” que surgem entre nós e nossos parceiros românticos, nossos amigos, nossos pais, irmãos ou filhos, ou mesmo entre colegas dentro de um ambiente de trabalho, é o famoso e simples diálogo. Ops! Eu disse simples? Mas não é exatamente... O diálogo exige que as pessoas se desvistam de suas próprias roupagens, afastem-se de suas próprias construções, para que possam ouvir e entender as outras pessoas. Você consegue ouvir o que está sendo dito? Ou será que só consegue ouvir o que está sendo contrário à sua opinião? Para algumas pessoas, se eu disser que gosto de chocolate, elas me chamarão de agressor porque não gosto de morangos nem cerejas. Elas não ouviram o que eu disse. Elas não puderam acessar o que eu revelei sobre mim, meu gosto sobre chocolate, minha preferência por chocolate, apenas se sentiram ofendidas porque não compactuo com suas visões de que morangos e cerejas sejam melhores. Mas eu não tenho nada contra morangos e cerejas, apesar de detestar quando vou comer um bolo e os encontro no meio do recheio. Portanto, eu simplesmente não os como. Mas não preciso fazer uma campanha contra morangos e cerejas a favor de chocolate. Eu posso simplesmente buscar entender o gosto peculiar dessas pessoas que são apaixonadas por morangos e cerejas – com perdão da demonstração de ironia.
Em uma conversa sobre chocolates, morangos e cerejas cada um pode dar a sua opinião, cada um pode elencar os pontos que o fazem preferir um em detrimento do outro, e também haverá aqueles que se deliciarão com uma bandeja de chocolate derretido com morangos e cerejas flutuando em sua superfície. E está tudo bem. Está tudo bem desde que possamos dialogar sobre isso. Desde que possamos acessar as razões que levam as pessoas a pensarem como pensam, a gostarem do que gostam, a viverem como vivem. Mas só conseguiremos essa proeza da boa civilização se nos desconstruirmos de nossas verdades, momentaneamente, para ouvirmos a verdade do outro. E aí, depois de ter ouvido sobre os benefícios do morango e os atrativos da cereja, agora posso compreender o seu gosto por essas frutas, no entanto ainda posso continuar com a minha preferência pelo chocolate. Posso até mesmo experimentar as demais possibilidades, conhecê-las experienciando-as a partir da minha própria realidade, e, então, poderei incluir morangos e cerejas em meu cardápio, ou simplesmente continuar com o meu bom e velho chocolate. E também está tudo bem. Porque agora eu entendi os seus motivos e você entendeu os meus motivos. A gente se ouviu. A gente se reconheceu um no outro como seres humanos com individualidades e particularidades que nos fazem ser quem somos, únicos ao mesmo tempo em que semelhantes. Podemos olhar um para o outro e afirmar que “posso não concordar, mas agora compreendo você”. E a partir da compreensão a gente constrói o respeito. A partir do respeito a gente constrói relacionamentos mais saudáveis. E a partir de relacionamentos mais saudáveis evitamos conflitos por motivos tão bobos quanto gostar de chocolate, morango ou cereja.
(Texto de @Amilton.Jnior)