O poder do óbvio
Tenho aprendido que tão importante quanto ver além do óbvio é ver o óbvio também. Às vezes tudo que a gente precisa saber sobre alguém já é óbvio. A gente é que fica caçando nas profundezas inexistentes para ver se encontra algo que tornaria a pessoa equivalente com as nossas expectativas.
Acredite no poder do óbvio. Nem todas as pessoas são um roteiro de Hollywood com reviravoltas impressionantes. A maioria delas podem ser descobertas na previsibilidade porque ser previsível não significa ser desinteressante. Significa ser estável.
Às vezes a gente se frustra por querer transformar alguém em algo que a pessoa não quer e às vezes, não precisa ser. Serve para amores. Serve para amizades. Serve para humanos.
Às vezes alguém não quer ou não pode ser do jeito que a gente gostaria. Nós é que nos machucamos por pensar "Mas eu vejo potencial naquela pessoa, eu posso ajudar". E assim esperamos que aquela amizade se torne mais recíproca, que aquele amor seja correspondido em intensidade semelhante.
Na verdade, amar o outro é dar a ele o direito de ser. Mesmo que ele escolha ser diferente daquilo que gostaríamos de ter por perto. Não é necessário sempre o drama da metade do filme. Quando se sofre indiscriminadamente por alguém que obviamente não queria, não podia ou não sabia como permanecer.
Amar as pessoas as vezes vai significar observá-las de longe usar o livre arbítrio delas, mas sem o rancor como se a pessoa nos devesse alguma coisa. Do tipo: eu fiz muito por aquela amizade, ela deveria ter retribuído do jeito que eu gostaria. Ou: eu fiz muito por aquele romance, ele deveria ter valorizado o que tinha.
Em qual regra do universo vai estar escrito que as pessoas sempre vão entender o nosso valor? E mais, em qual regra do universo está escrito que ainda que elas entendam o nosso valor, elas vão agir exatamente de acordo com o roteiro mental que já criamos para ela?
As pessoas não são personagens do filme da nossa vida. Na verdade, nós estamos todos em um filme compartilhado onde cada um é o protagonista.
Às vezes a gente vai ser vilão da perspectiva de alguém, às vezes vamos ser mocinhos. Estamos todos tentando. E se apenas pudéssemos reconhecer o óbvio, não diríamos com tanta frequência que alguém nos machucou porque saberíamos que nossas expectativas machucaram a nós mesmos. Logo, eu me machuquei.
Às vezes alguém não foi de verdade um vilão em nossas vidas. Nem sempre é assim preto no branco vilões e mocinhos. As pessoas tem justificativas, pontos de vista e nem sempre isso se alinha.
Assim podemos olhar para trás com gratidão, gratidão pelos momentos felizes que compartilhamos com as pessoas que não estão mais tão presentes sem o rancor da exigência de que a pessoa tinha que permanecer pra sempre.
Afinal, todos permanecem para sempre, uma vez que ninguém vai fazer a gente sentir exatamente a mesma coisa. Logo, se carregamos essa mudança conosco, carregamos uma eternidade. Eternidade causada por alguém. Alguém que vai ser pra sempre.