Ilhas Humanas

Uma vez eu ouvi da minha psicóloga que ela entende que as pessoas se transformaram em ilhas, ao invés de serem continentes. E isso fez muito sentido para mim, ainda mais quando comecei a perceber o quanto as pessoas estão aprisionadas dentro de si mesmas, autocentradas em seu próprio egoísmo, ao ponto de desconsiderar a existência do outro. As pessoas, embora tenhamos um mundo altamente globalizado e conectado, estão cada vez mais isoladas umas das outras, a dor do outro já não é mais a minha dor, e se ele está sofrendo é porque fez por merecer. Estamos egoístas. Talvez sempre tenhamos sido. Mas em um mundo que se diz tão ligado, esse egoísmo, além de hipócrita, torna-se destoante e se destaca.

E digo isso porque estamos insensíveis ao sofrimento humano. Acho que a única dor que nos incomoda, quando não é a nossa própria, é aquela de quem realmente conhecemos, com quem convivemos, mas ainda assim tenho algumas dúvidas quanto a esse pensamento (quantos que agridem seus próprios pais?). E nessa insensibilidade, as pessoas se aprisionaram em seus próprios universos por dois motivos: ou para não terem que se incomodar com o sofrimento do outro, porque o sentiam; ou porque realmente não se importam com nada e acreditam no “que aconteça o que tiver que acontecer com o resto da humanidade”. Falhamos. Ao mesmo tempo que encurtamos distâncias nós produzimos abismos. Falamos apenas para os nossos iguais. E perdemos a habilidade de conciliar discursos, ideias, fazer com que as pessoas consigam se sentar numa tarde de verão para tomarem um refresco sem que saiam de olho roxo ou ego machucado.

E isso é imaturidade. Não conseguir ouvir as outras pessoas e preferir se isolar naquele egoísmo que diz que eu sou certo e as outras pessoas são perigosas, é de uma imaturidade fatal. Países não sobrevivem se ficarem isolados do resto do mundo. Eles precisam de ao menos um parceiro que lhes garanta o básico de uma parceria. Então por que é que achamos que nos isolando estamos nos protegendo? Por que é que consideramos que a dor do outro nada tem a ver comigo? Talvez tenha tudo a ver! Você pode não ter sido o causador daquela dor, mas pode ser o que a aliviará.

A gente se importa tanto com a vida dos outros, embora estejamos isolados, não é verdade? Insistimos em nos manter egoístas, autocentrados, mas ainda conseguimos nos incomodar com escolhas que não nos dizem respeito. Mas é típico do imaturo. É típico de quem vive em ilhas. Para se isolar do mundo ele precisa inventar um inimigo que o ameaça, mas não percebe que o maior inimigo é ele mesmo. Ele que se priva de crescer. De amadurecer. De oferecer ao mundo alguma solução plausível aos muitos de nossos problemas. E, então, ele só cria mais e mais obstáculos. Tudo para se manter em isolamento. Tudo para se manter alheio à humanidade.

Precisamos construir um único continente. Isso não quer dizer que viveremos todos em paz, distribuindo flores e cantando Imagine, do John Lennon. Isso é um ideal. E ideais nem sempre podem se tornar reais. Nós somos humanos. E teremos muitas falhas em nossas tentativas de nos tornarmos pessoas melhores. Mas apenas considere a ideia de um mundo em forma de continente. Com as pessoas procurando se ouvir. Procurando conversar. Procurando se entender. Procurando se respeitar. Quantas dores poderiam ser poupadas. Quantas dores poderiam ser curadas! Talvez nunca consigamos sair por aí de mãos dadas cantando Imagine, mas se podemos imaginar um mundo um pouquinho mais seguro para todos então nós podemos construí-lo. Nossos problemas humanos continuarão existindo, mas se deixarmos as ilhas e nos unirmos ao continente não criaremos ainda mais problemas, antes teremos a chance de encontrarmos soluções.

(Texto de @Amilton.Jnior)